Caso 9 - O lobisomem

Eu disse no Caso 6, que trata dos filmes de terror, que ao assistir, por exemplo, um filme de lobisomem de certa forma já está pressuposto o nosso conhecimento prévio do que seja um lobisomem. Eu disse que pelo menos quanto a mim esse fato deu-se quando me recordo dos primeiros filmes de terror que assisti ainda bem jovem, como conto no Caso 6.
Mas, se eu já tinha uma ideia do que era um lobisomem antes de assistir meu primeiro filme com um deles, como, quando e onde eu vim a conhecê-lo inicialmente?
Como essas postagens iniciais neste blog têm caráter pessoal, nas quais conto antes minhas experiências pessoais com fenômenos estranhos, também o fenômeno do ser meio homem, meio lobo, será abordado aqui de maneira pessoal.
Evidentemente que uma pessoa pode vir a tomar conhecimento de um fenômeno estranho por filmes ou conversas, e a ordem das fontes de informação não é uma condição muito relevante para o entendimento do fenômeno, mas também é certo que cada fonte em particular apresentará o fenômeno de uma maneira muito particular e específica, sendo quase certo que nunca será uma fonte ampla o suficiente para dar todos os detalhes e cobrir todas as facetas do fenômeno que revela, de forma que sempre se poderá aprender algo mais do fenômeno ao longo do tempo por meio de novas fontes.
Assim, permito-me criar um tipo de fonte que considero válido para a minha experiência pessoal, que não é o cinema, ou os livros, ou as lendas urbanas contadas nas turmas de escola no horário do intervalo para o lanche. O tipo de fonte que delimito agora é a minha avó materna e sua vasta lista de casos esquisitos contados ao longo de vários anos nas noites dos sábados e domingos em que íamos visitá-la na sua casinha simples, mas acolhedora.
Quem não teve uma avó contadora de histórias de terror? 
Certo, muitos não tiveram, mas muitos tiveram e não deixa de ser um fato que elas, as avós, são muitas vezes a primeira fonte de informação sobre o tema do sobrenatural, do estranho, do misterioso. Por que isso se dá, por que as avós assumem esse papel de semeadoras de histórias de fantasmas e monstros pode ser questão cujo estudo mereça mais atenção, mas não agora.
Agora quero apenas relatar que minha avó contou muitas histórias interessantes e mais que isso: essas histórias não eram invenções da cabeça dela para entreter seus netos. Eram situações reais vividas ao longo de sua longa vida e que ela relatava com a convicção de quem nutria profunda curiosidade e temor diante do mistério no qual elas eram envoltas. 
Como a figura de um lobisomem pode ter entrado em debate numa daquelas noites de conversas no sofá de minha avó? Afinal, não se sai do nada falando de um lobisomem. Esse assunto não é o mesmo que falamos no dia a dia, isto é, não falamos corriqueiramente de lobisomens da mesma maneira que falamos do clima, dos esportes ou dos acontecimentos familiares dos últimos dias. O sobrenatural somente entra como tema de uma conversa familiar sob dadas condições e no meu caso a condição era que nós, os netos, éramos curiosos a respeito do sobrenatural e de certa forma minha mãe não o abordava no dia a dia em casa por motivos que não consigo identificar agora. No entanto, o tema era permitido junto de minha avó. Parecia haver um certo receio de minha mãe em falar no assunto, parecia haver uma hierarquia entre contadoras de história, ou mesmo parecia haver algo no passado de ambas que coibia a liberdade de minha mãe tratar do tema abertamente, mas não a da minha avó.
De qualquer forma minha avó não tinha receio em falar sobre o tema. Aparentemente minha avó era mais apta a contar essas histórias, assim como as conhecia em maior número do que minha mãe, e indo além, parece que havia em minha mãe a mesma curiosidade e ignorância sobre o tema que tínhamos nós, crianças, como se o tema fosse proibido para minha mãe no tempo em que fora criança e vivera com a minha avó então mais jovem e menos sábia, experiente e versada no assunto, habilidades essas que somente os anos permitem. 
Assim, minha avó não temia falar sobre nada, ainda que admitisse não ter respostas definitivas para nenhum desses fenômenos.
Mas, como o tema surgia?
Éramos nós, as crianças, que pensávamos em um tema ao longo dos dias e pedíamos que nossa mãe questionasse minha avó depois que os assuntos corriqueiros estavam esgotados ao final das noites de sábado e domingo. E então minha mãe explicava que nós, as crianças, estávamos curiosos para saber se ela, a minha avó, já tinha visto algum tipo de fenômeno, e a minha avó respondia, muito cautelosamente, mas sem fugir do assunto. Essa habilidade de tocar em temas sensíveis para crianças merece meu reconhecimento hoje e sou grato a ela por não ter fugido deles como muitos adultos o fazem. Afinal, o estranho mundo em que vivemos era para ser desvendado e explorado e não temido, apesar de sua estranheza, e as crianças acabariam tendo de enfrentar os mistérios da vida mais cedo ou mais tarde, e minha avó assumia muito bem esse papel, o de introduzir alguns dos mistérios do mundo de maneira branda mas decisiva, segundo entendo hoje o modo de pensar de minha avó e também de minha mãe naquela época.
Então um dia minha mãe perguntou se minha avó já tinha visto um lobisomem. E minha avó respondeu que não, nunca vira frontalmente um ser meio homem, meio lobo, em toda a sua vida, mas havia uma ressalva.
Minha avó nascera no início do Século XX e vivera uma vida muito simples com muitas mudanças temporárias para diversos lugares pouco familiares até que envelheceu e meu avô, seu esposo, faleceu e ela aposentou-se para descansar o restante da vida. Assim, ela morou em casas localizadas em lugares isolados, ermos, pobres, algumas delas em roças, outras em beiras de rios, em fábricas rudimentares, em periferias de grandes cidades, em choças de pequenas cidades e sempre rodeada de muitos filhos, muita pobreza, muita ignorância e muito sofrimento.
Ela admitiu nunca ter visto frente a frente um lobisomem, mas eu, um menino com oito, dez anos, certamente não acreditaria se ela dissesse que já vira um de verdade, olho no olho, porque eu já sabia que lobisomens eram lendas fruto de histórias folclóricas que nem mesmo eram de nosso país, e portanto os lobisomens certamente não existiriam por aqui, no Brasil, mesmo que alguém dissesse que havia visto um deles.
Minha avó não vira, mas fez uma ressalva.
Ela lembrou-se de que apesar de não ter visto um deles, se recordava de um episódio estranho no qual ficara em dúvida e tivera medo de que pudesse haver um deles de verdade, ou ao menos algo parecido, porque fora uma experiência nunca vivida antes e ela não era capaz de dar uma explicação razoável e portanto não excluía a possibilidade de haver algo não convencional naquele episódio que iria relatar.
O evento ocorreu em uma madrugada. Minha avó e família moravam em uma casa simples com um amplo quintal de terra batida como era comum no meio rural daquela época, quando então deveria ser o meio do Século XX em um Brasil ainda longe de ser densamente povoado, um Brasil atrasado, rural e embrutecido pela pobreza e analfabetismo, falta de infraestrutura e de quase tudo o mais, onde as pessoas simples viviam da terra por elas mesmas, entregues à sorte e à abundância da natureza ainda quase selvagem.
Nessa época, lembrou ela, eles viviam em torno de um grande rio que fornecia peixes em abundância no qual meu avô pescava-os para consumo e para comércio nas cidadezinhas próximas, na luta pelo sustento do dia a dia de uma casa cheia de filhos de todas as idades. 
Curiosamente, lembrou ela, era comum que meu avô enterrasse restos de peixes que foram limpados da última pescaria. E ele o fazia ali mesmo no grande terreiro em torno de uma casa certamente fora de uma zona urbana estruturada, onde os terrenos não eram fechados e o espaço era livre para usos diversos sem maiores problemas com a vizinhança esparsa e amigável. Meu avô havia enterrado restos de peixes em um buraco coberto de terra próximo da casa, relembrou minha avó. Isso certamente dera-se durante o dia, e certamente não fora a primeira vez, mas naquela madrugada algo diferente aconteceu. Algo, um animal certamente, mas não um animal qualquer, surgiu para devorar a carniça enterrada, e o fez de uma maneira assustadora e inédita. 
É certo que animais selvagens têm faro apurado para detectar alimentos de todos os tipos, de acordo com seus perfis alimentares, e naquela época não seria impossível pensar em um animal mais robusto, um grande felino talvez, ou um lobo, como sendo o responsável pelo evento daquela noite. O que não é certo é que um animal desses pudesse fazer o barulho que minha avó ouvira e que era o motivo para ela ter tido o medo que admitiu ter tido naquela ocasião. Fosse qual fosse o animal, este cavoucou o solo furiosamente em busca da carniça enterrada e bufou de uma maneira tão intensa que não pareceu a minha avó ser o bufar de nenhum animal, doméstico ou selvagem, por ela conhecido.
Os lobisomens são conhecidos pelo uivar diante da Lua cheia. Cães ladram, cavam e uivam, mas não bufam. E minha avó, embora não tivesse ousado abrir a porta para ver o animal logo a alguns metros da casa, percebeu que se tratava claramente de um animal grande. O conjunto de sons furiosos não poderia ser de um animal pequeno. Cães e gatos não bufam. Touros bufam, mas não comem carniça. Seria um grande felino? Onças comem carniça, cavam e urram, mas as onças já não eram comuns mesmo naquela época. Seria um lobo? Lobos eram ainda mais raros naquela região.
Seria um ser humano?
Mas que ser humano se submete à tarefa de escavar o solo em busca de carniça, senão um louco, um maníaco, um ser humano desajustado socialmente?
Não tenho a resposta, nem minha avó teve.
Em determinado momento o animal acabou indo embora e no dia seguinte restou o solo revirado onde antes havia a carniça de peixes.
Não é a coisa mais estranha do mundo, mas é uma história real.
Quão estranhos são os comportamentos dos animais? E dos homens?
Quão raro é o relato desses seres vivos não convencionais ou pouco conhecidos das pessoas comuns?
Há uma infinidade desses relatos e o de minha avó não deve ser desmerecido. Afinal, algo aconteceu naquela noite.
Continuo achando que não era algo sobrenatural, mas ainda assim os fenômenos naturais pouco conhecidos merecem nossa atenção e precisam ser estudados com a calma que sua anormalidade merece.
Relatei no Caso 5 minha própria experiência com um animal comum, mas que produz sons estranhos. Provavelmente o caso que relato agora não diverge muito em termos da explicação que dei ao Caso 5, isto é, o mundo natural pode nos assustar, se não o conhecemos bem. E ele certamente nos impressionará quando confrontamos os eventos e os submetemos a uma análise mais aprofundada. Certamente não são casos sobrenaturais, mas são casos que tornam a natureza menos comum, mais rica e mais impressionante do que já é.
Você já viu um lobisomem?
Ou uma sereia? Ou quem sabe você tenha visto a sombra de um pterodáctilo passando pela sua frente em um passeio pelas montanhas em um local remoto naquela sua viagem de férias a dez anos atrás.
Conte-nos.
Satisfaça a nossa curiosidade.

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