Caso 56 - Os detetives da Disney

 Caso 56 - Os detetives da Disney


É certo que os detetives e a espionagem são romantizados nas telas de cinema através dos famosos agentes secretos, como James Bond, o Agente 86, o herói de Missão Impossível, dentre uma série de outros. Alguns são do mundo da ficção literária, como Sherlock Holmes, e por fim, mas não por último, há os personagens de desenho animado.

Quando eu era apenas um menino, na década de 70 e 80 do Século XX, eu não era capaz de entender as nuances de todos os enredos de filmes de espionagem, tanto os sérios quanto os cômicos, como Agente 86. É preciso algum conhecimento da mecânica da Guerra Fria ou da Segunda Guerra Mundial para se entender esses enredos sempre muito sofisticados e complicados. Mesmo um adulto sem esse conhecimento prévio fica sem entender algumas passagens de enredos envolvendo o mundo da política e das lutas de poder entre os países. O que dizer de uma criança?

Mas nem só de detetives ou espiões internacionais a mídia se vale para entreter seu público alvo. Há ainda os detetives particulares, os detetives policiais, as agências de combate às drogas e ao terrorismo e assim por diante. Detetives são fascinantes. E há um bom número deles na mídia de entretenimento.

Eles também estão nos quadrinhos infantis.

Embora eu como criança não pudesse entender os enredos sofisticados de filmes de espiões e detetives, por outro lado eu era bastante capaz de entender as histórias de detetives que apareciam nas revistas em quadrinhos às quais eu tinha acesso naquela época.

A Disney tinha e tem uma série de revistas semanais e mensais publicadas e distribuídas nas bancas de jornais pelo mundo afora.

No vilarejo onde eu morava não havia bancas de jornais, mas de vez em quando eu comprava algumas revistas da Disney em alguma banca de jornal em alguma cidade próxima. Foi assim que conheci Donald, Tio Patinhas, Mickey e os Irmãos Metralha, dentre uma série de outros personagens do mundo dos quadrinhos, e eu lia essas revistas com bastante interesse e curiosidade.

Gostava de tudo, de todos, mas as histórias de espionagem eram quase sempre as mais interessantes. Às vezes eram Donald e seus três sobrinhos os detetives. Na maioria dos casos porém era Mickey o detetive mais interessante e com as histórias mais envolventes.

E como bons garotos, curiosos e vivazes, eu e meus irmãos ficávamos pensando em como o mundo da espionagem era interessante.

Depois de ler dezenas de revistas, um dia eu e meu irmão mais novo, em um surto de aventura, em uma tarde luminosa e meio ventosa, mas em um dia de semana sem nada de interessante para se fazer, decidimos sair em busca de alguma aventura de espionagem.

O que poderíamos fazer?

Fazer o que todo detetive sempre faz: buscar pistas para solucionar algum mistério.

E saímos pela rua empoeirada e sem graça em busca delas, das provas, para solucionarmos o nosso mistério, resolvermos o nosso caso.

Mas, que prova buscar? O que era uma prova para nós?

Não sabíamos. Somente sabíamos que deveríamos, tal como Mickey, ir a um determinado lugar e observar bem tudo ao nosso redor, e ver aquilo que ninguém mais via, e ler nas entrelinhas das coisas aquilo que ninguém era capaz de ler.

Saímos para a rua e pegamos o rumo do lote vazio logo ao lado de nossa casa. Lá era o local mais provável para acharmos pistas. Em casa já conhecíamos tudo de tudo e em casa era certo que não haveria pistas que pudessem nos ajudar em algo. Mas no lote vazio ao lado, com o mato meio crescido e seco pelo calor do sol, era certo que haveria algo de curioso para bisbilhotarmos.

E então olhamos a calçada empoeirada em frente ao lote e procuramos com afinco algo que pudesse chamar a nossa atenção de detetives. O que haveria ali, naquela calçada, que pudesse nos indicar qualquer coisa de diferente?

Olhamos, olhamos e por fim percebemos um pequeno pedaço de papel dobrado. Certamente era alguma folha de algum caderno escolar solta que chegara até ali trazida pelo vento em algum momento no passado, mas o que havia nessa folha além das linhas impressas para escrevermos por cima delas?

A folha estava amassada e meio rasgada nas bordas, mas havia sido usada e havia coisas escritas nela. Era algum trabalho de escola, mas certamente não era de ninguém de casa. A letra não era conhecida. E não havia um nome na folha, nem nenhum endereço. E pelo que pudemos entender, a pessoa que escrevera aquela folha não era nem mesmo daquela rua, a nossa rua, porque pelo conteúdo pudemos deduzir que das pessoas que estudavam nas redondezas nenhuma delas estudava algo que se parecesse com aquele conteúdo na folha. E, se não era de ninguém da rua, de quem era?

Mas, se não era de ninguém da rua, como a folha viera a parar ali? Pelo vento? Impossível, porque percebemos que as possíveis pessoas que poderiam estar estudando aquele conteúdo deveriam ser do sexo feminino, já que a letra era claramente feminina, mas as possíveis meninas, ou moças, que estariam em idade de estar estudando aquele conteúdo só poderiam morar em uma rua mais abaixo da nossa, mas de forma alguma uma folha solta naquela região chegaria até o terreno vazio trazida pelo vento, porque o vento precisaria ser muito forte para fazer a folha saltar por sobre muitas casas até chegar onde chegou, e não havia indício de que houvera um vento tão forte assim nos últimos dias ou semanas. Além disso, se a folha estivesse no lugar a muito tempo provavelmente teria recebido alguma chuva, de forma que a tinta estaria borrada, mas não estava. E além disso uma provável moça não sairia arrancando folhas de caderno escolar e soltando-as ao vento. Provavelmente era uma folha de algum caderno velho, porque não fazia sentido jogar no lixo folhas de um caderno ainda em uso. Não estávamos em período de férias escolares. Isso queira dizer que a folha até poderia ter sido tirada de um caderno velho, mas os cadernos velhos dos anos escolares que já acabaram eram em geral jogados fora no período das férias e não no meio do ano letivo. Provavelmente aquela folha fora jogada em algum cesto de lixo a meses atrás, mas por algum motivo acabou não sendo recolhida com o resto do lixo do cesto e ficara em algum lugar até ser trazida até o lote vazio e ser achada por nós. Onde ficou a folha neste tempo todo?

As perguntas foram surgindo e algumas respostas eram dadas ali, sob o sol, mas a cada resposta, uma nova dúvida surgia e o quebra-cabeças não fechava. Que folha misteriosa!

Resolvemos olhar mais à volta e ver se havia mais coisas que pudessem servir como pistas mais fáceis. Sim, havia mais coisas naquela calçada entremeio às folhas secas do mato que crescia no lote vazio. Primeiro, as bitucas de cigarros. Muitas. Mas elas diziam pouco sobre quem havia fumado aqueles cigarros. Umas estavam mais novas, outras bem mais velhas e sujas. Meu pai fumava. Era certo que algumas daquelas bitucas eram de cigarros que ele próprio fumara. E a ligação entre a folha de caderno e as bitucas não se mostrava óbvia. Havia um pedaço velho de um pente de cabelo masculino, mas velho demais para ter relação com a folha de caderno. E haveria mais coisas a serem analisadas se resolvêssemos ir mais adentro no lote. Ele era cheio de porcarias que a vizinhança jogava lá. Mas decidimos parar por ali, ficando com a percepção de que se ligássemos as bitucas, obviamente fumadas por adultos, e na maioria dos casos por homens, teríamos uma ligação entre algum homem adulto e uma folha de caderno de alguma moça já quase adulta, mas decididamente não casada. E se a folha chegou até ali pela mão de algum homem adulto que fosse apenas o namorado de alguma moça que ainda era uma estudante?

Mas decidimos que aqueles objetos diziam pouco e não éramos capazes de formular nenhum fato real, porque faltava-nos mais informações que eles, os objetos, não poderiam nos dar sem mais pesquisas e mais raciocínio lógico. E decidimos que deveríamos deixar aquilo de lado e ir brincar com outras coisas porque, afinal, aquilo poderia nos levar a nos intrometer em assuntos de adultos que não nos diziam respeito. Afinal, que problemas tínhamos que resolver? Nenhum, afinal de contas. Estávamos apenas lendo possibilidades em objetos sem conexão com nenhum problema real, e sem base em nada, a não ser que eram objetos aleatórios disponíveis a qualquer um, mas sem conexão com nada a não ser com a mera localização, o lugar onde por acaso se encontravam. 

Deixamos isso de lado e nunca mais brincamos de detetives.

Mais velho, tive a oportunidade de ler sobre o trabalho que os detetives reais têm de recolher e estudar os lixos produzidos por aqueles que eles estão espionando, e como o lixo industrial e comercial são fontes riquíssimas de informações confidenciais e ainda que há toda uma indústria de proteção contra esse tipo de bisbilhotagem.

De certa forma não estávamos errados em ver em objetos aparentemente inocentes fontes de informação que as pessoas normais não conseguem perceber. Por outro, éramos ingênuos demais para perceber que a coleta de informações não se dá aleatoriamente, mas amarrada a um problema e um alvo específico.

É certo, no entanto, que foram os personagens da Disney que nos insuflaram a sairmos em busca de provas como detetives. Que histórias de detetives são fascinantes não há dúvidas. O porquê deste fascínio é que ainda não pesquisei o suficiente.

Mais tarde eu leria histórias juvenis mais elaboradas, como os casos lançados na Coleção Vagalume, quando então eu leria os livretos com tanta curiosidade que não os largaria até que eu tivesse chegado ao final. E vez por outra ainda leio algo sobre o assunto, seja ficção ou casos reais. Mas daí essas leituras merecem textos mais detalhados. Afinal, há todo um mundo de literatura ficcional e real sobre esse tema.

Por enquanto lembro que mesmo uma criança pode se interessar por espionagem e isso não é ruim. Pensar sobre a conexão de um problema e suas possíveis soluções é um desafio que vale cada grama de esforço despendido pela mente humana. Esse esforço afia a mente e a mente afiada nesse esforço se torna poderosa, muito poderosa.

Putin era um espião.

Mas paremos por aqui. Se você já brincou de detetive quando criança então você foi feliz.

Conte-nos sobre como brincava e o quê espionava. A que conclusão chegou nas suas aventuras? Você ainda gosta do assunto?

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