Caso 6 - Os filmes de terror

Evidentemente que os filmes de terror podem ser incluídos entre as principais fontes de divulgação de fenômenos estranhos. Desde o surgimento do cinema até os dias atuais os filmes de terror, suspense, mistério e ficção científica têm sido um dos principais, senão o principal meio de divulgação em todo o mundo a respeito daquilo que a humanidade considera estranho, curioso, surpreendente e sem respostas definitivas.
Dado que estou falando neste blog inicialmente sobre minhas experiências pessoais não me estenderei muito sobre essas categorias de filmes porque certamente muitos dos mais famosos e interessantes serão discutidos em postagens futuras, ao menos aqueles dos quais tomei conhecimento, quando então os analisaremos da maneira séria e cuidadosa tal como o tema demanda.
Se você já leu alguma das postagens anteriores, deverá saber que eu cresci nos anos setenta em um pequeno vilarejo no interior do Brasil. Nas pequenas cidades nos anos setenta os cinemas eram mais populares do que são hoje e curiosamente o pequeno vilarejo onde eu cresci possuía desde muitos anos antes de eu nascer um salão social onde às vezes se instalava um telão e se projetavam alguns filmes mais populares. Lembro-me de filmes de humor de Mazzaropi, Charles Chaplin e o Gordo e o Magro, embora que muito vagamente. De qualquer forma, logo por volta do ano de 1975 as casas passaram a ter televisores em preto e branco. Elas pegavam alguns poucos canais emitidos das grandes cidades mais próximas e depois delas aos poucos o salão foi deixando de passar filmes, acabando sendo convertido em um barracão de processamento de laranjas, enquanto que as pessoas passaram a ficar em casa nos fins de semana aproveitando a novidade dos filmes que não precisavam ser pagos para serem assistidos, ao contrário dos filmes do velho cinema tradicional que eram pagos.
Em casa meu pai comprou uma televisão preto e branco por volta dessa época, 1976 ou 1977, e nós, as crianças, passamos também a aproveitar dessa novidade. No começo só assistíamos programas durante o dia e até um certo horário à noite, porque tínhamos de dormir cedo para ir às aulas nas manhãs seguintes. Assim quase nunca ficávamos até tarde acordados a ponto de assistirmos filmes que passavam depois das novelas por volta das dez da noite. Quando isso ocorria era porque meu pai resolvia assistir a algum faroeste, algum bangue-bangue mais famoso, e nós, as crianças, assistíamos também.
E aos poucos foram surgindo os filmes de terror.
Um dia meu pai avisou que iria passar um filme sobre lobisomem e ele, não sei porquê, demonstrou um grande interesse no assunto. Então todos assistimos ao filme sobre um terrível lobisomem que era o monstruoso fruto de uma transformação de um homem comum em um ser meio lobo, meio homem, decorrente da influência ou força de uma Lua cheia que servia como uma espécie de catalisador daquela transformação sinistra.
Mas não sentimos medo porque meus pais estavam juntos e naquela noite a luz da sala, ao contrário dos outros dias de filmes, foi mantida acessa para que não tivéssemos tanto medo do escuro.
Depois, em outro momento, foi um filme sobre vampiros. Depois mais filmes de vampiros e assim por diante. Nós, as crianças, fomos crescendo e aos poucos perdendo o medo desse tipo de filme, mas não de todo. Tudo era mais fácil com meus pais juntos, com a luz da sala acesa e a coragem insuflada pela força do grupo.
A partir de um certo momento começamos a assistir filmes de terror sem a companhia de nossos pais. O medo então voltou a se instalar com força.
Houve uma semana em especial em que um determinado canal de televisão organizou toda uma sequência diária de filmes de terror, uma espécie de Semana do Terror, que começava na segunda-feira e se prolongava até o fim de semana. Nós, as crianças, nos comprometemos a ver todos eles mesmo sem a presença de nossos pais, que aparentemente não viam problema nessa categoria de passatempo, porque, afinal, estávamos todos juntos e seguros em casa, na sala, e o medo momentâneo logo seria esquecido com o desenrolar das horas e dos dias.
Tudo foi bem para nós com os dois primeiros filmes na segunda e na terça-feira, mas na quarta-feira, o medo chegou a um limite nunca experimentado em filmes anteriores.
Um filme que na verdade era um composto de três pequenos filmes menores, três episódios de terror distintos, sobrecarregou nossa capacidade de resistir ao medo. Em determinado momento do segundo episódio nos entreolhamos todos muito assustados e decidimos que era melhor desligar aquela televisão e irmos para junto de nossa mãe e depois tratar de dormir porque, afinal, nós não precisávamos nos submeter àquela sensação de pavor apenas pela obrigação de ver os episódios até o final. Chegamos a um limite e percebemos que desistir era o melhor a fazer para nos pouparmos de algo pior, algum pesadelo ou mesmo o risco de algum de nós começar a chorar ou gritar de desespero diante daquilo que não mais podia suportar. Desligamos a televisão e não me recordo de voltar a ver filmes de terror ao longo das décadas subsequentes.
Agora, em retrospecto, pergunto a mim mesmo sobre o poder que possui um filme sobre a curiosidade e o desejo de sentir medo por parte de sua audiência e não tenho uma resposta certa. 
Evidentemente que o terror possui um forte apelo sobre a curiosidade humana, mas por quê? Sabemos de antemão que veremos coisas que na verdade não desejamos ver, que tememos ver, mas mesmo assim nos submetemos a esse teste de resistência como se fosse uma prova de força, como se um filme fosse uma espécie de pesadelo controlado e que na pior das hipóteses é apenas um conjunto de cenas e emoções que não são de fato a realidade. Mas por quê?
Quando de minha experiência de assistir esses primeiros filmes de terror a muitos anos atrás parece-me que essas figuras tenebrosas, em particular os vampiros e os lobisomens, já eram conhecidas por todos antes de assistirmos aos filmes. Quer dizer, fantasmas, vampiros, lobisomens e assemelhados faziam parte do imaginário mesmo das crianças mais pequenas tanto quanto fazem hoje outros seres irreais populares como os dinossauros, os super-heróis, as princesas e os pequenos magos de reinos de fantasia que tanto agradam as novas gerações de crianças nascidas nas três últimas décadas.
Como é que eu e meus irmãos viemos a conhecer tão cedo, antes mesmo dos filmes, essas figuras tenebrosas?
Eu suspeito que sei a resposta. Esse conhecimento é fruto de duas forças: uma de natureza não programada, e outra de natureza sistêmica e programada.
De um lado os seres humanos parecem ter uma predisposição ou predileção biológica ou genética para se interessar por coisas estranhas e assustadoras e, ainda que não saibam a razão da ocorrência desses eventos estranhos, parecem tentados a repassar os casos para todos aqueles que ainda não os conhecem como uma forma de alerta, antecipação ou aviso sobre o risco potencial que eles podem vir a envolver.
Esse comportamento de comunicar o estranho é uma forma de proteção social, pressuponho.
Quanto a mim, posso apontar a origem de meu conhecimento sobre vampiros e lobisomens que antecede a minha experiência de assistir filmes de terror na televisão como sendo proporcionado pelas conversas aos pés dos sofás dos adultos que formavam meu círculo de relações familiares e de vizinhança.
Minha mãe, minha avó, minhas tias, meus vizinhos adultos, ainda que tivessem muito o que conversar sobre os mais variados assuntos que os adultos podem normalmente conversar, ainda assim vez por outra, mas quase sempre, acabavam tocando no assunto do estranho, do anormal, do assustador, do terror e, por que não, do diabólico.
Nós, as crianças,  não éramos poupados desse estranho ritual de se contar e de se ouvir histórias estranhas e de se silenciar depois, todos em meio a um misto de sentimentos que se confundem e se mesclam entre o medo e a submissão respeitosa. Sentimentos demonstrados pelos olhares assustados e meditativos diante da dureza do mistério não passível de revelação. O mero relato, ainda que coberto de curiosidade, nunca fora e continuava não sendo capaz de solver os velhos mistérios sempre contados e recontados. O mero relatar, ainda que depois de dezenas de vezes repetido, não bastava para afastar o mistério.
Não naquela época e não naquele lugar.
Por outro lado, o fascínio pelo misterioso não se prende somente àquele lugar e àquela época em que cresci ouvindo relatos assombrosos de parentes e vizinhos. Ele estende-se mundo afora, precede minha geração, precede muitas e muitas gerações anteriores à nossa era e se prolonga no espaço, sem respeito a credo, cultura ou território. O temor, ou o terror, sua versão mais intensa, são tipos de sentimentos universais.
Ainda que um evento estranho aqui possa não ser motivo de medo em um outro local qualquer, de forma alguma há um local qualquer onde o medo não tenha vez.
Daí que esse fascínio é propagado, mercantilizado, acondicionado de forma caprichosa em um filme ou livro que é especialmente desenhado para se difundir mundo afora em busca de mentes curiosas e ansiosas pelo sentimento de reverência diante do pavor que é o não explicável, o anormal, o inimaginável. 
Mas há ainda outras forças difusoras além dos filmes e livros associados ao comércio cultural cujo fim é vender medo em troca de dinheiro.
A maior força talvez seja o processo difusor das culturas dos povos, que precisam ser preservadas, nas quais há todo um universo de lendas passadas que não podem ser esquecidas e que, por sua vez, ainda que indo além do mero anormal, dele jamais pode abrir mão, porque é da natureza humana memorizar a anormalidade como uma forma de defesa contra essa própria anormalidade enquanto não deixe de ser uma anormalidade.
Daí que o terror toma um outro nome e se reveste do mando da cultura, assumindo o nome de folclore, e então antes mesmo e ainda sem a televisão, o cinema e os livros de terror, somos forçados a assimilar as lendas dos povos antigos, cada qual com os seus mistérios, que jamais excluem os vampiros, ou lobisomens, ou um monstro terrível, ou um fenômeno inexplicável mesmo para os modernos homens de hoje.
Assim as crianças, desde que submetidas ao processo de aculturação formal nas escolas mundo afora, cedo ou tarde, com ou sem o apoio dos filmes e livros, acabarão tomando conhecimento daquilo que a indústria sabe tão bem vender.
Além disso, ao longo da vida os adultos não poderão se furtar a conhecer melhor ao menos algum aspecto desse nosso mundo misterioso porque as coisas estranhas continuam sendo parte do presente, ainda que com outro nome, com outras conotações, sem nunca deixar de estarem ligadas de alguma forma com as velhas histórias do velho folclore dos tempos de criança.
O folclore até poderia ter sido ignorado como mera fantasia em um dado momento de nossas vidas, mas definitivamente não o é, dado que as coisas estranhas que ele nos mostra continuam a nos assombrar depois de adultos e depois de nos defrontarmos com os nossos próprios fenômenos estranhos, os nossos próprios lobisomens, as nossas próprias bruxas e gnomos, os nossos próprios castelos mal-assombrados.
Aculturar-se é, ao final, um processo de aceitação tácita de que não sabemos tudo e essa ignorância deve ser respeitada, ainda que achemos que tudo não passe de fantasia e mistificação. Com sorte, viveremos nossas vidas fingindo ignorar esses incômodos acontecimentos como se eles não existissem de fato, ainda que lá no fundo a curiosidade ancestral, genética, arquetípica, insista em comichar quando passamos de frente a uma sala de cinema com um cartaz berrante mostrando um novo lançamento, um filme baseado em fatos reais, um futuro sucesso que trata de, talvez, um caso de exorcismo, ou um caso de contatos imediatos com alienígenas.
Depois que me tornei um adulto, depois de pensar melhor sobre esses fenômenos estranhos, voltei a assistir esporadicamente a filmes de terror e de ficção.
Falarei sobre eles no futuro.
E quanto a você?
Qual é o seu mistério favorito? Quando ficou sabendo dele? E quanto aos seus filmes favoritos de terror e ficção?

Comentários

Postagens mais visitadas