Caso 5 - O gato na cozinha

Você acredita em casas fantasmas?
Às vezes ouvimos uma história assustadora aqui, outra ali na televisão e outra mais ali em um filme qualquer na madrugada. Mas elas existem mesmo?
Eu relatei neste meu Caso 1 a história real de uma suposta casa assombrada. Ouvi falar dessa casa por volta de 1974, mas nunca tive problemas com nada parecido em minha vida até 1982 ou perto disso, quando então achei que nossa própria casa estivesse assombrada.
Relato este Caso 5 como um exemplo de algo que ocorreu de verdade. Esta é uma história real. 
Nós havíamos nos mudado para uma casa própria nossa, a primeira e única que meus pais viriam a ter enquanto vivi com eles, cuja construção havia sido feita por nós e da qual tínhamos a propriedade e não éramos apenas inquilinos. Nós a construímos em 1981 e ela era uma casa simples e pequena, mas era nova e funcional. Era uma casa daquelas que são conhecidas como tendo apenas uma "água", isto é, era coberta por apenas um plano inclinado de telhas que corria do alto para baixo do sentido da divisa do terreno à esquerda rumo ao centro dele, um terreno bem acima do nível da rua e longo e estreito, até então ocupado pelo mato e pelos insetos. A casa tinha do lado esquerdo dois quartos separados por uma sala e em paralelo havia uma cozinha no fundo, isolada, uma área de lazer no meio e um banheiro na frente. Não era uma casa com forro. Podíamos ver as madeiras e telhas. Além disso, o terreno comportava uma pequena garagem de madeira com teto de telhas de amianto que tinha seu canto esquerdo fazendo divisa com o canto direito do fundo da casa, junto à cozinha.
Eu e meus dois irmãos dormíamos no quarto do fundo, cada um em uma pequena cama de solteiro uma ao lado da outra, e tínhamos as cabeças junto à janela e os pé apontados para o resto da casa e para a rua. Nessa época eu tinha já uns doze anos.
Eu costumava ter um sono regular e não era comum eu acordar no meio da noite, mas então uma noite eu acordei com um som bastante estranho. Meio assustado, meio curioso, acordei e prestei atenção naquilo que ouvia. O som parecia vir da cozinha ao lado, ou do telhado da garagem. Era o som de um bicho, mas não me parecia de nada conhecido. Não era o de um gato miando, nem de dois gatos brigando, e o som vinha do alto, então não era o som de algum cão qualquer, porque cães não sobem em telhados nas madrugadas. Nessa época nós tínhamos uma cadelinha pequena que naquele momento dormia em silêncio em algum lugar da casa ou da área de lazer. Isso era sinal de que o som não a estava incomodando. Mas os cães são sensíveis a ruídos em seu entorno. Então, por que a cadelinha não acordara latindo? Será que somente eu estaria ouvindo aquele som?
Que som era aquele?
Acabei pegando no sono novamente com o fim do barulho, mas ao longo das semanas tornei a acordar ouvindo o som estranho. Seria algum fantasma? Estaria a nossa casa mal assombrada?
Não comentei nada com ninguém, mas ao longo dos dias minha mãe andou reclamando de que algo estranho estava acontecendo em casa, em particular na cozinha, que ficava isolada do resto da casa, porque algumas vezes quando ela entrava na cozinha pela manhã ela encontrava coisas fora do lugar sem explicação plausível. Esses pequenos acontecimentos de certa forma confirmavam a minha suspeita de que nossa casa estava assombrada como esteve a casa de nossos ex-vizinhos alguns anos atrás, como contei no Caso 1. Mas mesmo assim não contei nada sobre os ruídos assustadores que eu vinha ouvindo durante algumas noites.
Então em uma manhã qualquer minha mãe foi à cozinha e retornou para dentro de casa aos berros, acordou meu pai e ao mesmo tempo a todos nós, crianças. Eu logo descobri qual era o problema: era um grande e maroto gato das vizinhanças, com sua pelagem cor de ferrugem, que havia entrado pelo vão dos caibros do telhado à noite, subindo pela garagem, e que assim vinha fazendo nas semanas anteriores, roubando uma panela aqui, um pedaço de comida ali, e fugindo antes de ser surpreendido até então com antecedência e precaução.
Mas não naquela manhã.
Nós nunca tivemos gatos em casa. Eu não sabia que gatos poderiam fazer ruídos tão diferentes do miar comum como aqueles que eu vinha ouvindo ao longo das noites nas semanas passadas. Meus pais não gostavam de gatos. Eles tinham aquele preconceito, fruto da ignorância, que alimentava a falsa ideia de que gatos eram animais malignos, ou infiéis, ou indiferentes, ou ladrões, ou preguiçosos, ou azarentos, ou agourentos, ou indignos de confiança, ou qualquer outra coisa ruim que somente quem teve ou tem um gato sabe que não é verdade.
Foi uma manhã triste.
Meu pai encurralou o enorme gato atrás da geladeira, arrastou-a um pouco para o lado e bateu no gato com um cabo de vassoura até matá-lo. Nossa pequena cadelinha ajudou, latindo e ajudando a encurralar o gato no canto. O gato era maior do que a cadelinha, mas mesmo assim ela não demonstrou medo e não se acalmou até que o gato estivesse estirado e morto.
Passado o tumulto, o dia seguiu em frente. Meu pai saiu de casa rumo aos afazeres do dia e minha mãe incumbiu-nos, a mim e a meu irmão mais novo, de dar fim ao corpo do pobre gato.
Amarramos uma pequena corda no rabo do enorme gato morto e o arrastamos até uma estrada rural próxima de casa e o abandonamos em um buraco escavado pelas chuvas ao largo da estrada algumas centenas de metros mais à frente. A cadelinha seguiu conosco, patrulhando o gato morto, temendo talvez que ele fugisse ou voltasse à vida.
Voltamos para casa e não pensei mais no caso. Nunca mais ouvi os ruídos assustadores nas madrugadas. Nunca mais minha mãe encontrou gatos na cozinha, embora que não tivéssemos tomado nenhuma precaução para evitá-los, tal como fechar a passagem entre os caibros e a parede, de modo a vedar a entrada de intrusos.
Lamento até hoje a morte daquele gato, porque ele não precisava ter sido morto. Ele poderia ter sido apenas tocado para fora da cozinha sem maiores consequências, mas o ódio ignorante de meu pai e minha mãe pelos felinos era maior do que o bom senso naquele momento e ele não foi capaz de se safar pelo mesmo caminho que entrou. Não sei de quem era o gato. Ele poderia ter sido um animal querido e amado por alguém das redondezas. Duas décadas depois eu vim a ter dois gatos em minha casa os quais muito amei, e lamento profundamente que meus pais fossem pessoas com ideias tão deformadas sobre esses animais adoráveis.
Mas o caso é que um gato não é um fantasma. Ele pode até assustar, roubar, produzir sons assustadores, mas não é de fato um fantasma.
Quantos mais fantasmas não são apenas o fruto do nosso medo e de nossa ignorância? E se o gato gordo não tivesse resolvido ficar na cozinha até o amanhecer daquele dia e não tivesse sido surpreendido por minha mãe? O que eu pensaria daquelas madrugadas assustadoras? Na melhor das hipóteses, lembraria delas como noites sem respostas, sons para os quais eu nunca acharia uma explicação. E quantos mais desses eventos acorrem mundo afora com milhares de outras pessoas sem uma investigação maior? Eu poderia dizer hoje que já vivenciara o caso de uma casa aparentemente assombrada, mas então eu estaria apenas mistificando um fato plenamente explicável e nem tão impressionante assim, afinal de contas, uma vez satisfatoriamente solucionado.
Eventos estranhos deveriam ser mais fonte de curiosidade do que de medo e de mistificação.
Passados quase quarenta anos do ocorrido, vejo hoje vídeos na Internet nos quais as pessoas mais diversas ao redor do mundo postam acontecimentos estranhos, mas um deles me fez recordar o caso do gato ladrão. Eu falarei mais desse vídeo em particular em uma próxima postagem. Basicamente ele trata do mesmo problema que enfrentei com o gato, mas que foi  resolvido de maneira clara e surpreendente por quem o vivenciou. Evidentemente que um adulto de hoje dispõe de muito mais esclarecimento e racionalidade do que uma criança de quarenta anos atrás. Além disso, certos eventos estranhos hoje estão passíveis de serem solucionados por meio de recursos tecnológicos os quais mesmo um adulto bem esclarecido não poderia facilmente dispor a quarenta anos atrás. Falo das câmeras, dos drones, dos sensores e outros mecanismos que não existiam até poucos anos atrás. Esses recursos vão eliminando sem piedade os mistérios dos casos mais fáceis, ainda que muitos desses mesmos recursos possam estar sendo usados para criar uma enxurrada de novos e falsos fenômenos estranhos. Mais uma vez, basta dar uma busca rápida pela Internet para ver centenas de vídeos falsos criados com programas de edição de imagens que passariam por verdadeiros a quarenta anos atrás, mas que hoje são facilmente desmascarados por gente que entende do assunto, quando não pela própria pessoa que criou a farsa. Mágica e tecnologia mesclam-se hoje de maneiras inimagináveis.
De qualquer forma, às vezes podemos ser pegos de surpresa por acontecimentos que não nos permite uma averiguação mais detalhada. Há eventos que não se repetem. Há casos únicos que não permitem que nos preparemos para eles.
Não foi o caso do infeliz gato ladrão.
Ele foi, usando um jargão da medicina, um falso positivo.
Finalizo confessando que nunca comentei com minha família sobre o medo que passei nas noites antes da morte do gato. E sabe por quê? Porque homens não poderiam ser medrosos. Eu sabia que seria ridicularizado pelo meu pai e meus irmãos. Afinal, essas coisas de fantasmas não existem. E minha mãe, muito mais religiosa e crédula, certamente tomaria o caso como de cunho diabólico e eu seria arrastado para uma série de cenas constrangedoras de exorcismo, benzedeiras, pastores e padres de uma maneira que eu queria evitar de todas as formas, porque afinal de contas era apenas um som feio, mas ainda assim, era apenas som. Não houve nenhuma visão, nenhum objeto assustador, nenhum vulto, nenhum pano branco flutuando no ar. Era apenas mais um ruído estranho na madrugada. E homens não deveriam temer essas coisas da vida. Era ouvir e suportar com coragem e em silêncio e assim o foi.
Agora todos sabem.
E você: o que tem a esconder de seus medos secretos?
Conte aqui para todos, compartilhe conosco aquele caso esquisito que você nunca comentou com ninguém.
Ilumine esse ponto cego.

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