Caso 24 - O caminhão fantasma

O presente caso é interessante porque possui nuances que se relacionam com mais de um tipo de fenômeno estranho.

O vilarejo onde eu nasci e cresci, no interior do Brasil, já foi palco de confrontos militares na época da Revolução Constitucionalista de 1932. Como sempre, não vou citar o local exato por questão de privacidade, mas em 1932 houve conflagração nas redondezas e esses fatos ainda persistiam na memória do povo mais velho do local na época em que eu era criança, na década de 70, época em que essa história chegou a meu conhecimento.

Essa história foi contada por meu padrinho, nosso vizinho, e ocorreu nos anos 60. 

Meu padrinho era então moço e solteiro. O vilarejo tinha pouca gente, de forma que era comum os jovens irem para a cidadezinha vizinha, a sede do município, que era um pouco maior e tinha mais gente jovem disponível,  para procurar namoro, arranjar parceiros e parceiras para casamento, etc.

Meu padrinho arrumara uma namorada na cidade vizinha e ia para lá regularmente, aos finais de semana, se encontrar com sua futura esposa. Havia uma estrada que ligava os dois lugares, uma estradinha de terra que antes fora o leito de uma velha ferrovia removida alguns anos antes. Era um trecho de cerca de 7 quilômetros, que era percorrido em geral a cavalo ou de charrete, ou mesmo a pé. Era tão comum esse ir e vir que meu pai, que também nascera e vivera naquele vilarejo, por sua vez também conheceu minha mãe na cidade vizinha, e a visitava semanalmente indo e vindo de cavalo, de forma que não havia nada de misterioso naquele trecho.

Embora a estradinha fosse conhecida, ainda assim à noite era um local ermo, sem tráfego e sem moradias em seu trajeto. Havia casas nos sítios ao redor dela, mas somente em parte, porque em seu lado mais baixo havia uma várzea de um ribeirão onde não havia moradias, somente pastos e matas que se alagavam em parte do ano. Era um trecho sinuoso que acompanhava suavemente as curvas do ribeirão, porque quando da construção da antiga ferrovia era evidentemente mais fácil e barato abrir o caminho dos trilhos em locais planos, assim como era mais conveniente o caminho plano depois de pronta a ferrovia, com os trens já em funcionamento.

Meu padrinho voltava da cidade vizinha em um final de semana, provavelmente em uma noite de sábado para domingo, e nesta noite ele estava de charrete.

Nos anos 60 já havia uma quantidade razoável de veículos automotores, como caminhões, ônibus, carros e motocicletas, mas não tantos assim e ainda mais raramente vistos nesses horários mais silenciosos e quietos. Mas ainda assim não era nenhuma surpresa se deparar com um caminhão ou carro vez ou outra. Meu padrinho seguia com a sua charrete quando percebeu que mais atrás na estada vinha provavelmente um caminhão ou carro, porque no meio da escuridão da noite ele percebeu que um facho de luz o iluminava pelas costas. Um caminhão, talvez, pensou, enquanto continuava a sua marcha de charrete. Certamente já acontecera antes, e era normal conduzir a charrete para a margem direita da estradinha para abrir espaço para a passagem do caminhão à esquerda.

Aos poucos ele começou a ouvir o som típico de um caminhão andando em uma estrada de terra, o ronco de um motor e o sacolejar das tábuas da carroceria de madeira, e o facho de luz se intensificando. Logo o caminhão o ultrapassaria.

De repente, ao dar uma chicotada no lombo do cavalo, o chicote caiu.

Meu padrinho puxou o arreio do cavalo, parou a charrete e desceu para pegar o chicote no chão. Foi fácil de achá-lo, porque os faróis agora estavam relativamente perto. Ele tornou a subir na charrete e retornou a marcha.

Mas o caminhão não o ultrapassou como era iminente de acontecer. De repente, a estrada à frente ficou escura e o som do motor e do ranger das tábuas ficou mais fraco e foi sumindo na medida em que a charrete seguia seu curso. Ele então olhou para trás e percebeu o clarão dos faróis seguindo em direção ao baixio do rio, que corria a uns duzentos metros à direita da estrada.

Só havia um problema: não havia estrada nenhuma naquela direção.

Do lado direito, entre a estrada e a várzea, havia uma cerca, e depois, o brejo. No lado esquerdo havia um morro e os sítios com suas plantações. Não havia estradas naquele trecho. Não havia porteiras, cancelas ou colchetes na cerca, que permitissem que alguém as abrisse e passasse por elas com um caminhão. E na várzea não morava ninguém. Eram pastos e mata ciliar junto ao ribeirão, sem moradias e sem estradas.

Então, para onde fora aquela luz daquele suposto caminhão?

Meu padrinho não soubera responder a essa dúvida naquela época, mas nem por isso deixou de relatar o fato aos conhecidos.

Alguém com um sítio do outro lado do rio, acima do outro morro que o acompanhava, também afirmou já ter visto um caso desses. Fora em uma estrada que também ligava nosso vilarejo à cidade vizinha, mas em um trecho mais reto. Eram as duas estradinhas bastante conhecidas e percorridas. A estrada do outro lado do rio nunca fora um leito de ferrovia. Ela fora traçada para ser o caminho principal do vilarejo, que fora planejado para ser erguido e expandido naquela região. Inclusive havia um cemitério antigo bem ao lado dessa outra estradinha, onde dezenas de cidadãos foram enterrados nas décadas passadas, inclusive durante a Revolução Constitucionalista, quando então militares de ambos os lados morreram em combate. Eu pessoalmente vi um ou dois túmulos de soldados mortos em 1932 naquele velho cemitério. Eu tinha alguns antepassados enterrados lá. Posteriormente ele foi desativado e alguns corpos transladados para um novo cemitério na cidadezinha sede do município. Fora nessa estradinha que alguém das redondezas alegou ter passado por experiência semelhante à passada pelo meu padrinho. E alguém mais alegou ter tido uma terceira experiência em algum outro momento do passado, com esse suposto caminhão que nunca aparecia.

Próximo ao cemitério velho, no alto do morro, havia também uma velha trincheira com 400 metros de extensão onde soldados a cavaram para se preparar para uma batalha que, ao menos até onde sei, nunca ocorreu, porque as conflagrações terminaram antes que soldados inimigos chegassem na região das trincheiras e do próprio vilarejo, mas nem por isso a região deixou de ter algum movimento de tropas, aviões e confrontos. Os combates em parte deram-se na cidade principal e nos arredores. A tensão e o medo da época certamente era parte da memória social dos moradores mais antigos da região e afirmar que um suposto caminhão fantasma era na verdade uma herança daquela época de guerra não parece hoje, nem pareceu nas décadas depois de 1932, algo sem sentido ou bizarro. Segundo as testemunhas desses eventos estranhos, era plausível que a luz e o som semelhante a um caminhão poderia muito bem ser compatível com os caminhões de tropas que circularam por aquelas estradinhas durante a guerra, com soldados assustados e anônimos sendo conduzidos para terras e trincheiras desconhecidas, onde alguns iriam tombar para sempre, sendo enterrados em covas longe de seus lares e familiares, em cemitérios abandonados à beira de estradas desertas, em um contexto de dor e sofrimento que justificaria plenamente uma existência posterior de insatisfação, não aceitação, reiteração de um evento doloroso, fantasmagórico, não pacificado espiritualmente.

Eram os caminhões fantasmas da Revolução.

Mas esses não seriam de forma alguma os primeiros e únicos casos de memórias ou lembranças fantasmas decorrentes de guerras e campos de batalha.

Cito-os principalmente porque são parte de uma história que é por si só digna de ser relatada, por ter seu interesse próprio, ainda que muito possa ser dito quanto a sua autenticidade, plausibilidade e talvez, quanto a uma ou várias possíveis explicações passíveis de serem dadas no sentido de esclarecê-los e entendê-los.

No início deste relato eu citei que há mais de uma nuance nessa história, porque ela flerta com mais de um fenômeno estranho.

Pois bem, uma luz fantasma pode também ser decorrente de algo mais que um suposto caminhão de guerra fantasma. Afinal, estamos falando de eventos ocorridos no século XX, e quando do relato de meu padrinho, o homem já estava prestes a pisar na Lua, e pelo menos em relação ao fenômeno UFO, é possível que a luz possa ter uma explicação completamente diferente da dada pelos seus observadores locais. E há a longa lista de fenômenos naturais, como, por exemplo, o que cito no Caso 12, sobre o fogo fátuo.

Que luzes foram aquelas?

Elas são tão raras assim?

Meu padrinho teria mentido? Se confundido? Ele estaria bêbado naquela estranha noite?

Não sei, mas não posso deixar de especular sobre o tema, porque há muitos relatos parecidos nos anais da literatura do estranho e do desconhecido. Não é possível que haja tantos mentirosos contando a mesma história estranha em locais tão distantes e diferentes no mundo.

Mas não quero especular agora. Esse especular merece um texto próprio e me limito aqui a narrar o que ouvi.

É interessante. É digno de atenção. É o que eu particularmente sei, e que merece ser narrado, embora certamente você, leitor, possa ter casos parecidos que ainda não vieram a público.

Então exorto-o a tomar essa iniciativa, a de narrar o que sabe sobre suas experiências ou sobre o que ouviu falar pessoalmente de experiências de outras pessoas e que também mereçam alguma credulidade e apresentem alguma curiosidade digna de merecer nossa atenção.

Se você conhece alguma história parecida, conte-nos.

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