Caso 19 - Padre Donizete

Eu disse neste Caso 7 que visitei a cidade paulista de Aparecida ainda quando era muito pequeno, por volta do ano de 1974, e vi lá uma sala dos milagres, uma espécie de repositório de supostas evidências de curas milagrosas proporcionadas por pedidos a diferentes forças santas ou divinas em forma de objetos os mais diversos, localizados em um anexo da grande basílica da cidade.

Mas aquela não foi a única vez em que vi uma sala daquele tipo.

Alguns anos se passaram e por volta de 1980 meus pais resolveram visitar uma segunda cidade, menos famosa que Aparecida, mas ainda assim relativamente conhecida no meio católico para aqueles interessados em milagres: Tambaú.

É uma cidade pequena no interior do Estado de São Paulo, Brasil, e era conhecida pelos meus pais por ser a cidade onde viveu um padre chamado Donizete.

Padre Donizete não era mais vivo quando visitamos a cidade, mas não morrera assim a tanto tempo. Pesquisando no Google no momento em que escrevo este artigo, vejo que foi em 1961, mas a fama dele aparentemente viera em vida, de forma que naquela época de nossa visita à cidade era certo que ele estava morto, mas não há muito tempo, uns vinte anos, de fato.

Quase nunca viajávamos para fora de nossa pequena cidade. Não sei se foi uma viagem em um dia de semana, mas provavelmente sim, porque depois de adentrarmos na cidade, meu pai, que nunca estivera lá antes, não teve dificuldade em localizar a casa onde vivera o padre, e chegamos lá com relativa facilidade. Era um local pacato, próximo a uma igreja e não havia sinal algum de visitantes ou romeiros nas redondezas, o que seria certo haver ao menos nos finais de semana. A casa de Padre Donizete era uma casa simples, aparentemente construída no começo do Século XX. Lembro-me de grades na porta e paredes grossas antigas, chão de madeira e cômodos que desciam por algumas escadas mais ao fundo do terreno. E um dos cômodos era a sala dos milagres.

Um quarto pequeno do lado esquerdo da casa, com prateleiras rústicas de ambos os lados da porta de entrada cobrindo as paredes até cerca da metade de suas alturas, era a sala dos milagres. Dentro um cheio acre de couro velho e suor.

Pernas mecânicas, muletas, andadores, bengalas, sapatos ortopédicos, e mais centenas de outros objetos que me pareceram dolorosos e meio sinistros de serem vistos, mas que também cheiravam a sofrimento, a dor, a persistência e resignação, e por fim a júbilo e glória.

Quantos milagres realizou e ainda realiza a memória de Padre Donizete?

Quantos desses milagres foram realmente milagres e não mera cura natural ou médica, remissão de doenças ou efeito placebo?

E, afinal, o que é um milagre?

Não é o momento agora de uma definição do que seja um milagre, mas é certo que há uma definição e é certo que os milagres atribuídos a Padre Donizete não foram e não são tratados como mera curiosidade mórbida pela classe religiosa e científica.

Não sei a razão específica da visita que meus pais empreenderam naquele dia. Não havia nada de errado conosco que justificasse o pedido de um milagre, exceto a pobreza, que era um mal generalizado em todo o país, que passava por um momento econômico e político difícil, como sempre passara e continua passando até o presente, mas nada que demandasse a intervenção divina para nosso caso em particular. Não ao menos do meu ponto de vista. É possível que meu pai ou minha mãe possa ter pedido um milagre em segredo a Padre Donizete para tentar sanar algum problema que desconheço. Eles eram pessoas supersticiosas naquela época e viam os problemas da vida como passíveis de serem influenciados, criados e removidos por meio de forças místicas. Mas a superstição daquela época não era fruto somente daquela época e meus país não eram pessoas ignorantes e raras quando comparadas ao restante da população daquela época. Certamente se fizeram algum pedido, o fizeram simplesmente porque era socialmente aceitável que se fizesse esse tipo de pedido, porque não havia forma de compreender e interpretar a vida e seus problemas sem que se tomasse uso das forças espirituais como causa e explicação, fossem elas para o bem ou para o mal do mundo.

Eu, de minha parte, não pedi milagre algum.

Mas não esqueci o cheiro de couro e suor.

Você acredita em milagres? Presenciou ou recebeu algum? Conte-nos, por favor.

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