Caso 20 - O eucalipto retorcido

Eu narrei no Caso 16 uma experiência com um raio, em uma prova pessoal da força e fúria da natureza. Mas a natureza pode ser infinitamente mais forte e furiosa do que imaginamos.

Este Caso 20 refere-se a outro exemplo dessa força e fúria.

Hoje somos relativamente mais protegidos contra ações do clima, como chuvas, vendavais, furacões, secas, nevascas e outras manifestações naturais perigosas, mas essa proteção é bastante recente. Até a algumas décadas atrás não possuíamos satélites no espaço para nos informar da formação de nuvens e outros fenômenos meteorológicos perigosos. As pessoas precisavam se fiar nas suas observações e na experiência acumulada ao longo dos anos para decidir se suas previsões eram seguras ou não e se o clima representaria um risco ou não. 

Evidentemente que as mudanças de estações são fenômenos amplamente conhecidos, mas não havia e ainda hoje não há meio de se saber com segurança se uma tempestade em particular será violenta o suficiente para que procuremos proteção além da que já temos nos dias normais de chuva. Uma chuva pode se transformar em tempestade muito rapidamente e raios e ventos podem causar danos sem que se tenha tempo de se prevenir contra eles. Não há muito o que se fazer a não ser se abrigar e esperar o tempo melhorar.

Mas essas tempestades destrutivas são relativamente raras. Às vezes podemos pensar que elas estão se tornando mais frequentes com o passar dos anos, mas o que ocorre é que com o passar dos anos aumentou as maneiras de se registrá-las. Temos as previsões que podem antecipar em parte a ocorrência de furacões, e portanto eles podem ser filmados. Antes da existência das câmeras em grande quantidade, os furacões existiam, mas os filmes eram raros e caros. Hoje esta situação mudou.

O mesmo ocorre com relação a raios, vendavais e tornados. Embora sejam fenômenos não tão raros assim, eram ainda mais difíceis de serem registrados em forma de filmes, porque são fenômenos de ocorrência rápida e aleatória. Registrar um fenômeno desses somente era possível com muita sorte. Era possível filmá-los somente ao acaso, quando se filmava antes alguma outra coisa. Não era possível se dar ao luxo de se ligar uma câmera em meio a uma tempestade e esperar que surgisse nela um funil de um tornado. Hoje, isso já não é mais tão raro e tão caro. Daí que vemos vídeos de tornados em locais onde eles costumam ocorrer com alguma frequência. Em geral nos Estados Unidos, mas de alguns anos para cá também na Europa, Ásia e agora no Brasil. 

Algumas pessoas podem argumentar que nas décadas passadas não havia tornados no Brasil, mas estão enganadas. 

O Brasil é um país imenso e possui clima relativamente calmo, mas não está imune a grandes tempestades e tornados de pequeno porte. Mas como é um país relativamente pouco habitado, com baixa densidade populacional, sempre foi difícil provar a ocorrência desses tornados, ainda mais nas décadas anteriores, quando era ainda mais despovoado. O que se podia afirmar era que ocorrera um tornado ou um forte vendaval somente depois de algum tempo do fenômeno ter ocorrido, devido aos estragos deixados em seu caminho. Ora um campo com a vegetação amassada aqui, ou uma árvore queimada por um raio ali, ou tombada mais adiante. Certamente um fenômeno como um tornado deixaria sinais mais impressionantes, mas ainda assim ele teria que ocorrer nas redondezas de algum local habitado, e ainda assim as pessoas que vissem esses estragos precisariam divulgar para além das redondezas que algo anormal ocorrera. Do contrário, o evento cairia no esquecimento.

Nunca vi um tornado, mas também não esperava ver um, porque cresci com o conhecimento deste mito, o de que não há tornados em nosso país. Mas esse mito foi contado a mim quando eu ainda era criança. Aprendi certamente na escola. E em casa meus pais nunca reportaram nada de anormal. Claro, minha mãe era filha de um pescador e neste caso o que havia era a história de grandes enchentes em rios das redondezas, mas enchentes são fenômenos comuns. Quanto a meu pai, nunca reportou nenhum fenômeno extremo, mas sempre me lembrava de que meu avô tinha um método de previsão de tempestades que costumava comentar. O método de meu avô parecia tolo ou amador à primeira vista, mas depois de um pouco de análise fazia algum sentido. Ele dizia que as chuvas perigosas eram aquelas nas quais se observava ventos em uma direção e, depois de algum tempo de calmaria, os ventos retornavam, mas em sentido contrário. 

Isso parecia sem sentido. Ventos não mudam de sentido. Em geral eles partem dos centros das nuvens de chuva e se espalham para as bordas, como raios partindo de uma lâmpada.

Mas pensei melhor e com os anos acho que entendi o que ele queria dizer. Certamente não fora meu próprio avô quem criara aquela regra de alerta por si mesmo. Muito provavelmente essa regra de observação dos ventos vinha de longa data e era fruto da observação de outras pessoas ao longo das décadas e talvez séculos anteriores. Não soube a origem dessa regra e nem a ouvi em qualquer outro lugar, mas não sou meteorologista e como leigo a tomei como uma regra prática, embora de difícil adesão, porque raramente estamos sujeitos aos efeitos diretos das tempestades. Geralmente estamos em casa, protegidos, quando elas ocorrem, e damos pouca atenção à direção dos ventos.

Mas meu avô era um homem do campo, do trabalho braçal em uma época em que não era incomum ser colhido por tempestades em condições nas quais não se tinha abrigo ou proteção adequados. Saber, ainda que com apenas alguns minutos de antecedência, que uma tempestade poderia ser perigosa poderia significar a proteção de vidas quando se estava exposto a céu aberto em meio a uma tempestade. Uma regra como a que meu avô citava poderia ser uma regra inútil no dias atuais, mas poderia significar vida ou morte em campo aberto. Mas por que observar os ventos? Essa questão sempre me intrigou.

Como disse, ao longo dos anos fui aprendendo que o clima é incerto, chuvas podem ser perigosas e previsões nunca são precisas. Vi filmes de tornados e furacões com alguma frequência e percebi que, curiosamente, do ponto de vista de uma pessoa parada diante de um furacão ou um tornado que se aproxima, a direção dos ventos tem um significado claro. Eles sopram de um lado, depois há uma calmaria, ao menos nos centros dos furacões, e depois os ventos voltam a soprar, mas em sentido contrário. Quanto aos tornados, eles são rápidos, espalhafatosos demais para que essa regra seja útil, mas a passagem de um deles tem esse exato efeito: ventos de um lado, depois a passagem do centro, ou olho, e depois ventos novamente, mas em sentido contrário.

Estaria meu avô simplesmente citando uma regra prática para se constatar furacões? Talvez, mas não era certamente uma regra nativa, uma regra para se observar no interior do Brasil, porque furacões se formam nos oceanos e somente quem está próximo ao litoral pode notar a direção dos ventos. Ou ainda alguém no meio do oceano. Mas como meu avô nunca fora marinheiro, onde aprendera a regra? 

Ele era filho de portugueses, e seu pai viera de Portugal ao Brasil poucos anos antes de meu avô nascer, por volta das décadas de 70 ou 80 do Século XIX. Viera em um navio. Naquela época não havia maneira de se saber se uma tempestade em alto mar ou no litoral era somente mais uma chuva ou um furacão se aproximando. A direção dos ventos era uma das poucas formas de se saber se havia um furacão a caminho ou nas redondezas. Não sei se estou correto, mas esse raciocínio tornaria a regra de meu avô relativamente útil, embora que não na região em que vivíamos, longe do mar.

No interior do país, eram os tornados os mais perigosos eventos. E eles ocorriam.

Embora sem câmeras pra filmar ou fotografar tornados, as pessoas podiam deduzir que eles ocorreram. E eles ocorreram. Meu avô mais uma vez tinha uma prova digna de atenção. 

Em uma ocasião, em uma data que remonta à primeira metade do Século XX, na região em que vivíamos, mas quando ainda quase tudo era mato, florestas virgens ou zona rural, ele contou a meu pai de um dia em que esteve em um local rural após uma tempestade relativamente forte na região e, olhando o rastro dos estragos deixados pelo vento, observou um eucalipto, uma árvore enorme, arrancada inteira de seu local natural e jogada com as raízes ao longe, com seus galhos torcidos em torno do tronco como se fosse um pedaço de pano. 

Não creio que houvesse algum interesse por parte de meu avô em mentir ou exagerar sobre um evento que é plenamente plausível de ocorrer. Não creio que ele tenha mentido.

Não é difícil encontrar vídeos na Internet nos quais se observam objetos maiores que um grande pé de eucalipto movidos de seus locais naturais devido à força dos ventos ou das águas. Há vídeos nos quais objetos pequenos são arremessados com velocidades de centenas de quilômetros por hora, capazes de provocar danos mortais em seres humanos ou animais de grande porte. Não creio que seja difícil encontrar grandes árvores arrancadas de seus solos com suas raízes e com seus galhos retorcidos pela força dos ventos de um tornado. E mais: tornados ocorrem a qualquer horário do dia ou da noite. Um tornado no meio da escuridão de uma madrugada de tempestade no meio do campo deserto passaria desapercebido ainda hoje. Somente satélites poderiam afirmar se eles ocorreram ou não, mas destroços como o que viu meu avô são forte sugestão de que um tornado ocorrera, e fora bastante violento.

Mas isso foi a muitas décadas atrás. 

Sei de vendavais que ocorreram depois disso, depois que passei a viver nesse mundo e entendê-lo um pouco melhor do que as gerações anteriores. Meu avô não viveu o suficiente para conhecer a tecnologia dos satélites e as imagens dos tornados nos vídeos da Internet. Mas se estivesse vivo hoje, certamente diria que o eucalipto retorcido somente o poderia ter sido pela força de um tornado.

E quanto a você?

Já viu um deles?

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