Caso 53 - A explosão na escuridão

 Caso 53 - A explosão na escuridão


Nem todas as coisas assombrosas que vivenciamos são realmente produtos da natureza, como terremotos, tsunamis, vulcões e tornados. Às vezes acidentes decorrentes de falha humana, envolvendo objetos construídos pelo homem, podem ser bastante impressionantes. Os grandes acidentes tecnológicos estão sempre ocorrendo mundo afora para nos impressionar. E além disso, o homem é parte da natureza e nada do que cria deixa de alguma forma de ser parte dessa mesma natureza. Assim, mesmo uma catástrofe "artificial" ainda assim é natural sob esse ponto de vista.

Tenho relatado neste blog alguns pequenos acontecimentos naturais que me impressionaram ao longo da vida. Este é mais um caso. E é de certa forma um acidente tecnológico, isto é, não é natural como uma chuva ou um meteoro.

O fato ocorreu no final de 1987. Neste época eu tinha cerca de 18 anos e estava já fora da casa de meus pais. Tinha passado em um concurso para uma escola militar a alguns meses antes e ia para casa nos finais de semana. A escola militar ficava a uns 350km de casa, de forma que eu, um aluno ganhando apenas meio salário mínimo da época, não tinha obviamente carro próprio, e tinha que viajar de ônibus quando tinha algum dinheiro. 

Neste dia, um domingo, eu estava retornando de um final de semana que passara na casa de meus pais e estava chegando de ônibus à escola militar. Eu em geral tomava dois ônibus de casa à escola. Um, que ia da cidade de meus pais até a capital do Estado, e outro de lá até a cidade onde ficava a escola. O primeiro percurso em fazia em um ônibus privado de uma empresa qualquer que estivesse à disposição, mas da capital do Estado até a escola eu pegava um ônibus fretado exclusivamente para os alunos da escola, dos quais muitos eram moradores da capital e arredores, de forma que este ônibus tinha a facilidade de poder entrar na área interna da escola, um emaranhado de ruas que abrigava o conjunto de prédios que compunha o complexo militar.

Nessa noite, como de comum, o ônibus entrou na escola e se dirigiu para o pátio onde os alunos desembarcavam. Era por volta das 10:30h da noite. Os vários ônibus fretados, que partiam ainda de outras capitais, chegavam quase todos no mesmo horário porque havia uma chamada, uma contagem de cabeças, uma verificação para se saber se todos os alunos haviam chegado na escola para o início das aulas no dia seguinte. Esse processo de contagem era uma rotina tão comum, tão repetitiva, que todo militar sabe que enfrentará um problema se não justificar com convicção uma possível ausência. A contagem começaria às 23:00h. Assim, eu não estava sozinho nesse momento. Havia vários outros colegas descendo do mesmo e de outros ônibus junto a mim no pátio. Todos carregavam suas malas e se dirigiam a seus alojamentos, prédios grandes espalhados em torno do pátio principal. Eu me dirigi para meu alojamento, o prédio mais afastado de todos, a cerca de 300 metros do pátio. Este era iluminado, mas o caminho até meu alojamento tinha pouca iluminação. Os alunos tomavam rumos distintos e eu segui com cerca de uma dúzia deles até meu alojamento, cada um sozinho ou em duplas, carregava sua mala de mão pela pequena ruela que dava até o prédio escuro. Mais à frente, um pequeno bosque de eucaliptos obscurecia ainda mais o entorno difuso pela noite escura.

Então, caminhando nesta ruela escura eu percebi algo que em um primeiro momento não me surpreendeu. Eu percebi um clarão mais ao fundo, bem atrás do bosque de eucaliptos. Era como se houvesse uma queimada em algum matagal ou, como mais me pareceu naquele momento, uma queimada de algum canavial ao longe, na linha do horizonte.

Eu crescera e vivera em uma região com muitos canaviais ao redor de casa. As usinas que produziam álcool e açúcar eram donas ou arrendavam grande quantidade de terras para a plantação de canaviais para suprir suas produções. Havia sempre, na época, queimadas para preparar a cana para o corte manual. Esse método hoje é proibido por vários motivos, mas na época era permitido. E as queimadas ocorriam de dia ou de noite, de acordo com a necessidade das usinas. As queimadas à noite eram visíveis de longa distância, com o horizonte ficando avermelhado pelo fogo intenso e voraz que punha abaixo as folhas secas dos canaviais e soltavam na atmosfera toneladas de ciscos pretos carbonizados, que iam cair a quilômetros por toda a redondeza. Para mim, então, aquele horizonte avermelhado que vi ao fundo da alameda próxima ao alojamento nada mais era que mais uma queimada de cana realizada por uma usina qualquer.

Quando percorri os trezentos metros até o alojamento, faltando apenas uns trinta metros até a entrada principal do prédio ouvimos todos o som de uma gigantesca explosão. 

Ficamos muito assustados, mas ainda assim tomei o rumo do prédio e entrei no meu alojamento. Embora a maioria dos alunos ainda não tivesse chegado de suas casas, ainda assim havia um bom número de alunos que já haviam chegado e já estavam dormindo no momento da explosão. Eles foram pegos de surpresa e acordados, com os olhares espantados daqueles que temos quando acordamos de um pesadelo.

Ficamos nos questionando.

O impacto dentro do prédio foi forte. Para os colegas que estavam dentro do prédio, eles acharam que houve uma espécie de terremoto, porque o prédio tremeu tão forte que as portas se abriram e poeira caiu de cima dos lugares mais difíceis de serem limpados. Ninguém tinha ideia do que fora aquele abalo.

Naquela época não havia celulares e Internet. Não era simples saber o que ocorrera.

Depois de alguns minutos, as pessoas começaram a chegar com notícias. Fora uma explosão que ocorrera na cidade vizinha, que ficava no rumo do clarão que eu vira mais cedo. Por fim, alguém que morava naquela cidade chegou com a informação de que havia sido uma explosão de uma carreta carregada de material explosivo que pegara fogo e depois explodira. Parecia impressionante, mas segundo ele, ninguém morrera nem se ferira no acidente.

E acabamos indo dormir com essa informação relativamente tranquilizadora. Eu saíra do prédio um pouco depois para averiguar e de fato o clarão sumira. Incêndios em canaviais somem também, mas não instantaneamente. Eles vão se apagando aos poucos. Neste caso, o clarão sumira se deixar sinal de nada, nem mesmo de fumaça no céu ou algum cogumelo típico de grandes explosões. Não fora, portanto, uma explosão tão destruidora, embora tenha sido barulhenta, impactante e assustadora. E além disso, descobri depois, aquela região do clarão era zona urbana, mas mesmo assim não havia produção de cana naquela parte o Estado, nem usinas e nem queimadas. Aquela clarão nunca poderia ter sido para preparar o canavial para ser cortado.

Ao longo da semana seguinte ficamos sabendo que havia sido supostamente uma carreta carregada com granadas de uso militar que se incendiara acidentalmente e cujo fogo não fora possível de ser extinto pelos bombeiros e equipes de socorro, mas que ainda assim todos se afastaram em segurança antes da explosão e não houve nada mais que danos materiais.

Essas coisas acontecem.

As cidades vizinhas eram locais onde havia várias fábricas de explosivos para diversos fins. Algumas empresas fabricavam explosivos para uso civil, outras para uso militar, e ao longo dos anos mais casos de explosões ocorreram naquela cidade e nas outras da vizinhança. E estudando o assunto um pouco melhor, antes, em décadas anteriores, houve outros incidentes mais ou menos parecidos, alguns com várias mortes e com prejuízos materiais mais significativos. As explosões que vieram depois também foram mais significativas em termos de danos e mortes, mas de qualquer forma esta explosão em particular não ficou registrada, ao menos em buscas na Internet, e provavelmente seu registro não se deu exatamente porque não foi uma explosão com mortes e danos significativos.

E eu fico pensando o quão assustador pode ser um incidente desses em grande escala, como o que ocorreu em Beirute em 2020. Se uma única carreta ao explodir balançou prédios sólidos a mais ou  menos 10 quilômetros de distância, é de se imaginar o impacto de algo maior e mais poderoso. Digo 10 quilômetros porque é a distância aproximada em linha reta do local que eu estava até onde suponho que tenha acontecido o acidente. Nunca soube exatamente onde se deu o incêndio, se em alguma rodovia, rua ou pátio de alguma empresa. De toda forma, 15 km é a distância máxima que poderia estar o caminhão com a carreta, porque depois desta distância não havia mais estradas ou empresas, somente montanhas e matas desabitadas. Ainda assim, 15 km é uma distância impressionante e o som da explosão levou cerca de 50 segundos para chegar até nosso local. Provavelmente o clarão sumiu primeiro, mas não percebemos como isso se deu. Certamente houve um apagão no clarão, depois escuridão normal e silêncio por quase um minuto e depois a explosão. Mas minha mente não foi capaz de processar esses eventos porque subconscientemente para mim o clarão era uma queimada, e queimadas não se apagam em fração de segundos. Assim, não processei o apagão. Processei somente a explosão e não liguei uma coisa a outra até saber efetivamente da causa. Somente depois de saber, vi que o clarão havia sumido.

Mas esses são eventos raros. Por isso eu faço esse relato aqui. Provavelmente, e felizmente, nunca mais presenciarei, ainda que à distância, outro evento dessa natureza.

Isso, contudo, não quer dizer que eles, ainda que raros, não acontecerão, ou já não aconteceram. Apenas não ocorreram em lugares nos quais eu estava perto.

Portanto, estamos abertos a relatos sobre casos igualmente interessantes, que você, leitor, pode ter presenciado, ainda que indiretamente.

Relate-nos sua experiência com eles. Ficaremos curiosos com o que presenciou ou ouviu falar.

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