Caso 50 - Os irmãos afogados

 Caso 50 - Os irmãos afogados


A morte é um fenômeno que muitas vezes nos surpreende. Ela em geral pode ser prevista, mas nem sempre.

O presente caso ocorreu por volta de 1980. Como os leitores deste blog sabem, nesta época eu era um menino e morava em um vilarejo no interior do Brasil.

Eu já tinha ouvido falar da morte. Tinha presenciado a morte dentro de casa. Ela quase não era mais uma novidade. Mas ela estava sempre por perto para me surpreender.

Nessa época eu já tinha conhecimento de que todos podem morrer, inclusive crianças. Não vou contar aqui a história do primeiro caso de que tomei conhecimento de uma criança morrendo. Não neste momento. Contarei em outra oportunidade. O que importa é que eu era uma criança e nunca tinha eu próprio corrido o risco de perder a vida. Mas então esse caso me fez pensar um pouco mais sobre o assunto.

Com essa idade eu já sabia nadar. Praticamente todas as crianças do vilarejo sabiam nadar, e nadávamos em um dos três riachos da região, que rodeavam o vilarejo por três lados. Dois deles eram, e ainda são, realmente muito pequenos, mas possuíam lagos, poços e cachoeiras em seus percursos. Esses locais eram pontos de interesse e também as pessoas gostavam deles para nadar. Mas há um riacho maior, um ribeirão, onde os dois outros riachos desaguam, que tinha um local muito conhecido e agradável para se nadar. Ficava logo ao lado de uma ponte de madeira, de toras antigas encrustadas nas suas margens, não muito longe da estrada principal do lugar. Era uma curva do ribeirão que era mais ampla e com a profundidade ideal para todos. Tinha uma das margens com árvores frondosas e na outra havia somente o capim típico dos brejos que se inundam na época das chuvas, mas secam no restante do ano. O local era muito frequentado quase todos os dias, e mais ainda nos finais de semana e no verão. Ali aprendi a nadar com meu pai e meus irmãos. Era um local tão bom que substituía muito bem as modernas piscinas das quais o vilarejo não possuía nenhuma, e talvez não possua ainda hoje.

Com o tempo e prática, eu e meus irmãos nos tornamos bons nadadores. Meu pai não se importava com algum possível risco de nadarmos no lugar, porque ele próprio crescera e aprendera a nadar ali como todo mundo. Ela sabia, portanto, que era um lugar que tinha poucos riscos. Um cobrinha aqui, um tombo de um barranco ali, um salto mal calculado de um galho em um local menos fundo, nada além disso.

Minha mãe era filha e irmã de pescadores. Embora não gostasse de ir ao local, não se importava com nossas idas ao ribeirão, contanto que a informasse de nossas idas.

E pelo tempo em que ali vivi, somente soube de uma única morte por afogamento, que relato no caso 13, mas que não tinha nada a ver com não saber nadar.

Assim, eu supunha que nadar tinha seus riscos, mas se tivéssemos cuidado, nada aconteceria.

Até o dia em que soube que dois irmãos, dois meninos com aproximadamente a mesma idade que eu, haviam morrido afogados em um bairro rural próximo de onde morávamos.

Eu não os conheci. Eles moravam em um sítio a alguns quilômetros mais ao Sul, em um bairro muito conhecido de todos do vilarejo, mas que era apenas um aglomerado de sítios com muitas casas esparsas que tinha uma igrejinha e uma escolinha como ponto de socialização comum, não tinha ruas asfaltadas, nem iluminação, nem mesmo quarteirões ou lotes organizados. Era apenas um pequeno emaranhado de estradinhas ligando os sítios, e alguns riachos nos vales dos morros do local.

Como todos os meninos da época, eles estudavam na escolinha local. Iam para lá a pé pelas manhãs e voltavam a pé na hora do almoço. Deveria haver um ou dois anos de diferença entre as idades dos dois. Eles sabiam nadar e, quando era época de calor, sempre paravam em um riacho próximo à estrada para casa e tiravam um tempo para nadar e refrescar-se do calor da caminhada. O córrego passava por baixo da estradinha e em seguida formava um pequeno poço, mais largo e mais fundo, com a água um pouco mais agitada e rodopiante que o fluxo comum no leito normal riacho. Mas isso não era problema, porque eles sabiam nadar bem, conheciam bem o lugar, e não havia nada de anormal no fluxo do riacho, tal como alguma enchente ou obra junto à estrada, que viesse a alterar a normalidade do riacho naquele ponto ou próximo dali.

Mas então em um dado dia, os meninos não chegaram em casa na hora esperada. Os pais acharam estranho e esperaram um pouco mais, até perceberem que não era questão de ser apenas um pequeno atraso ou contratempo, mas algum problema mais sério.

Tomaram o caminho da escola, mas ao chegar na altura do riacho, lá estavam os dois meninos, mortos, afogados, com seus corpos rodopiando, boiando nas águas calmas do pequeno poço. Suas roupas e mochilas escolares estavam ali ao lado, onde deveriam estar. Não havia sinais de luta, roubo ou violência. Eram somente os corpos dos dois irmãos no silêncio da tarde triste.

Não havia mais nada que pudesse ser feito, exceto suportar a dor da tragédia.

Esse acontecimento logo correu de boca em boca e todos ficaram sabendo, abismados. Era muita dor para um pai e uma mãe suportar. Eram os dois únicos filhos do casal.

E eu pensei seriamente na minha confiança diante da suposta segurança dos riachos e pequenos riscos que eu corria em minha jovem vida ainda tão imatura e ingênua.

O que ocorrera com eles? Como algo tão simples poderia der dado tão errado?

Não consegui entender, mesmo hoje, passados quarenta anos do caso.

O quão perto da morte estamos a qualquer momento, sem que percebamos essa proximidade?

Eu passei e ver a água como um inimigo em potencial, mas não o suficientemente.

Mas deixo para outros casos os riscos que corri nas águas por onde passei.

Agora, quero apenas que você, leitor, reflita sobre como a morte pode aparecer, de surpresa, quando menos se espera.

É certo que os meninos morreram afogados, mas por quê?

Sem testemunhas, como saber se houve alguma briga, se havia algum objeto sob as águas que tenha arrastado um deles e depois forçado o outro a salvar o primeiro e morrendo ambos? Um galho, algum susto? Uma cobra, ou uma câimbra mortal em um deles?

Não sei. Como disse, ainda hoje esse caso me assusta.

A morte sempre dá um jeito quando quer.

Você, leitor, conhece um caso parecido, não de afogamento, mas de morte misteriosa e inexplicável? Conte-nos.


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