Caso 49 - Correntes de escravos

 Caso 49 - Correntes de escravos


Os supostos lugares assombrados estão, em geral, relacionados a algum evento ruim que ocorreu neles, ao menos assim pensa a maioria das pessoas quando se fala no assunto. Lugares felizes e com passado sem momentos traumáticos tendem a não ter casos de supostos fantasmas, assombrações ou coisas parecidas.

Portanto, quanto mais antiga uma construção, maior é a probabilidade de que já tenha ocorrido algum evento ruim nela. A lógica é simples. Casas velhas provavelmente já foram locais de mortes ou de acidentes, enquanto que casas mais novas ainda não o foram.

Mas há mais considerações a serem feitas dentro deste raciocínio.

O mundo sempre viu muito sofrimento humano em quase todos os seus momentos. Dentre os piores momentos, considero que a escravidão humana seja uma delas, porque é óbvio que esse estado é dos piores possíveis para um ser humano. 

Pois bem, esse relato está de certa forma associado a esse triste acontecimento.

É difícil provar qualquer coisa. Observe que uso sempre a palavra "suposto", porque não tenho provas de nada, e quando temos relatos de terceiros, menores ainda são as chances de que aquilo que é relatado está correto ou coerente com os fatos. Portanto, muito cuidado é recomendado na interpretação do relato que vai abaixo.

Já falei neste blog sobre casas com eventos de morte.

Neste caso, falarei mais do assunto.

Essa história me foi contada a muito tempo atrás, por volta de 1980, por uma pobre tia, irmã mais jovem de minha mãe. Essa tia, já falecida, era relativamente jovem quando me contou essa história. Ela era uma mulher muito pobre, casada com um homem problemático e estranho, e tinha na época meia dúzia de filhos pequenos. Essa pobre família estava morando no vilarejo onde minha família morava porque não tinha mais para onde ir. Meu tio, seu marido, não parava em emprego algum e, portanto, nunca tinha dinheiro. E a família vivia mudando de casa em casa de tempos em tempos em busca de se firmar em algum lugar e arrumar algum emprego temporário para poder se manter e sobreviver com aquela filharada que não parava de crescer, com cada novo ano tendo uma nova criança vinda ao mundo para se ter de sustentar.

Depois de morar em diversos lugares, acabaram vindo morar em uma tulha, um quarto simples no fundo do quintal da casa onde morávamos. Depois, mudaram para uma outra casa velha na mesma rua, já perto dos sítios que rodeavam o vilarejo. Era uma casa na qual meu pai chegara a morar nela trinta anos antes, e nessa época ela já era uma casa velha. E eu e meus irmãos estudávamos pela manhã, de forma que às tardes tínhamos tempo para vez ou outra passarmos algum tempo conversando com ela e com nossos primos mais novos, sempre com alguma curiosidade e boa vontade, porque ela era uma mulher pobre, mas divertida, com um senso de humor que achávamos interessante, ao mesmo tempo que aquelas crianças sujas, doentias e mal vestidas eram, afinal, tão nossos primos quanto aqueles outros que tinham vidas melhores, eram estudados e bem nutridos, de forma que sempre que podíamos nós dávamos um jeito de conversar com aquelas crianças, principalmente os três mais velhos que já sabiam conversar e entendiam um pouco das coisas, embora ainda não tivessem idade para ir à escola.

Conversávamos de tudo, mas sempre tínhamos algo para falar sobre fantasmas, lobisomens e assombrações com minha tia. As crianças pequenas não entendiam nada do assunto e não participavam dessas conversas. Esta, em particular, foi contada em uma tarde de um dia de semana qualquer, quando somente eu e meu irmão mais novo estávamos com as crianças na casa de minha tia. Meu tio não estava, nem minha mãe. Foi uma conversa em que eu, muito seriamente, perguntei se ela, minha tia, de fato já tinha visto algo que considerava verdadeiramente como um evento estranho e que não fosse algo que ela apenas tivesse ouvido falar que ocorrera com outras pessoas conhecidas ou com quem quer que fosse que não diretamente com ela. E então ela me falou.

Ela e a família, alguns anos antes, com seus problemas com dinheiro e moradia, tiveram a oportunidade de ir morar em um sítio nas redondezas de uma cidade vizinha. Era uma antiga fazenda da região,  longe da cidade, daquelas que plantavam café em séculos passados, típica fazenda do Século XIX. O lugar tinha um casarão que na época já estava muito velho e degradado, mas que havia sido um lugar relativamente confortável e até com algum luxo quando a fazenda ainda era um lugar produtivo e rico. Na época em que ela morou lá, no entanto, era um lugar decadente e triste e que quase não despertava interesse de ninguém como habitação e lugar de trabalho. Meu tio sabia da situação, mas como não tinha opção, foram morar lá.

Era uma casa típica, de estilo colonial, com escadaria de madeira e porão no nível do solo, com portas e janelas de madeiramento grosso e sólido escurecido pelo tempo. Em volta havia os galinheiros, cochos, currais e chiqueiros típicos de construções mais pobres, porque os moradores anteriores da casa em geral eram trabalhadores contratados e não mais os donos do lugar. Como empregados, usavam o espaço à volta para criar animais para o consumo, coisa que os antigos donos certamente não precisavam fazer. O uso do antigo espaço livre à volta da casa dava um ar ainda mais degradante ao lugar.

De certo o local não tinha energia elétrica e as noites na casa isolada do mundo eram de um breu assustador. Além da casa havia somente mais alguns ranchos velhos, compridos e simples, típicos das casas de fazenda. Eram depósitos de sementes, de sacos de adubo, de coisas típicas da roça. Um deles tinha algum espaço aberto e era mais alto que os demais. Nele havia uma prensa de madeira onde certamente no passado se fizera o melaço da cana e também havia alguns tachos de cobre já não mais usados. No entanto, tudo aquilo era escuridão nas noites solitárias. Minha tia não sentia que fosse uma casa agradável, mas até então não tivera nenhum problema maior. Mas com o passar das semanas, ela e seu marido perceberam que o local não parecia muito seguro à noite. Naquele silêncio, eles começaram a notar sons incomuns no meio daquela escuridão. 

Os barulhos eram cada vez mais frequentes. E eles não sabiam de onde vinham exatamente, nem quais eram as causas. Seriam animais? Não, eles não tinham animais soltos, como cães ou cavalos. 

E em uma certa noite, eles perceberam um padrão de sons, que eles puderam identificar claramente como o som metálico de metal chocalhando, como correntes sendo batidas contra o chão e contra as paredes dos ranchos próximos. Esses sons perduravam por longas horas e, por fim, eles ouviram que os tachos de cobre estavam sendo batidos de uma maneira inexplicável. O que seria aquilo? Não sabiam e não tinham meios e coragem de saber. No escuro, que mais poderiam fazer a não ser ouvir e ter medo?

Poderia ser bandidos? Talvez, mas o local era muito pobre e naquela época não era comum assaltos na zona rural. E nos dias seguintes, nada era percebido como estando em falta, ou danificado, quebrado, fora do lugar, assim como não era encontrada qualquer marca de passos no chão ou marcas em paredes e objetos.

Em uma noite um tacho foi batido com força tal que ela disse ter ouvido o seu vibrar como o de um grande sino.

No dia seguinte decidiram procurar outro local para morar.

Algum tempo depois, quando indagados pelos moradores da região e mesmo ex-moradores do lugar, foram consolados de seu medo. Eles não foram os únicos a ouvir aqueles sons estranhos. Segundo seus conhecidos, o dono do lugar não conseguia manter empregados fixos naquela casa por muito tempo. A desculpa sempre era a mesma: o lugar era assombrado.

Com um pouco mais de questionamento, ficaram sabendo que aquela era uma fazenda que tivera escravos. 

Eram negros que trabalhavam forçados na lavoura de cana e de café, que viviam acorrentados e que moravam nos barracões compridos e simples que agora eram depósitos de sementes e adubos. E todos os moradores relataram as mesmas experiências. Sempre o mesmo som de correntes sendo chocalhadas nas madrugadas, e o bater de tachos.

De qualquer forma eles já tinham mudado do lugar e não havia mais razão para temer ou voltar para lá.

Arrumaram outro lugar para morar e a vida seguiu seu rumo.

E eu fiquei com essa história na memória por longos anos.

Já disse nesse blog sobre lugares ruins. Em uma de minhas postagens citei, por exemplo, Josef Mengele, o médico da morte do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, da época da Segunda Guerra Mundial.

Quem se sente bem ao visitar um  antigo campo de concentração nazista?

Esse sentimento parece ser comum a todos. Não há alegria alguma no lugar mesmo que não se saiba o que ocorreu ali. A simples presença física dos prédios parece fazer emanar más vibrações que captamos não se sabe como. É muito difícil que alguém não tenha essa sensibilidade para com os lugares que frequenta ou se está.

Às vezes esse sentimento de mal estar é sentido mesmo em lugares novos e modernos. As pessoas podem atribui-lo não ao lugar, mas à presença de algum objeto ou pessoa próxima. Pode não ser nada. Mas pode ser algo concreto. É certo que essa sensação ocorre com a maioria das pessoas. E lugares antigos são muito propícios a desencadear esse tipo de mal pressentimento. Às vezes há de fato algum fato antigo desagradável que pode não ser a razão da sensação, mas que o associamos ao mal sentimento e julgamos que o lugar guarda ainda alguma memória física desse mal acontecimento passado e emana-o, de alguma forma que desconhecemos, em torno de seu espaço físico, de forma que nós, humanos, e mesmo animais, captam essa emanação sutil que desperta em nós essa sensação ruim.

E você, já passou por uma situação dessas?

Conte-nos nos comentários. Ficaremos curiosos em saber o que pensa sobre o assunto e em conhecer os detalhes de seu relato.

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