Caso 46 - O balão

 O balão


Esse caso é bastante interessante e requer algum detalhamento de forma a se melhor compreender suas implicações, que entendo sejam múltiplas.

Caso esse seja o primeiro texto que lê neste blog, é interessante saber que todos os relatos que antecedem este caso ocorreram em um passado que se restringe à minha existência. Eu falo de minhas experiências estranhas e até o momento, todos os casos narrados se deram enquanto eu morava em um vilarejo no interior do Estado de São Paulo, no Brasil. Este caso também se deu na mesma época e lugar.

Era por volta de 1984. Nesta época eu já tinha por volta de 14 anos de idade. Portanto, já estava terminando o primeiro grau da escola local. Assim, eu já era um garoto relativamente bem instruído. Quer dizer, eu era um bom aluno e gostava muito de ler. Nesta época eu já tinha interesse pelo mundo da aviação, e pretendia seguir carreira militar, embora ainda fosse bastante jovem e imaturo.

Saber disso é importante porque sem esses detalhes o relato perde relevância e credibilidade, ao menos aos olhos dos mais céticos.

Por esse época, eu já sabia bastante sobre astronomia. Era a época de Carl Sagan e sua saga Cosmos. E eu tinha acesso à pequena biblioteca escolar, uma salinha pequena, mas com cerca de dois mil livros que faziam a minha alegria nas tardes em que eu me enfiava no meio deles. E entre os livros que eu andava lendo vários eram sobre astronomia, astronáutica e tecnologia. Naquela época a tecnologia espacial já ia adiantada, com os ônibus espaciais operando regularmente. E os telescópios terrestres estavam com os dias contados, dada a possibilidade de se mandar telescópios para o espaço. Esse panorama tecnológico me parecia fascinante, embora meu interesse por aviões e militarismo também ocupasse parte de minha atenção.

Um dia eu achei um livreto que ensinava a se fazer um telescópio caseiro. Era relativamente simples, mas como eu morava em um vilarejo que não tinha recurso nenhum, eu nem cogitei em tentar fazer um deles para mim. Não havia a menor chance. Por outro lado, um telescópio viria bem como meio de aprendizado e entretenimento. A ideia foi arquivada, mas não esquecida.

Em um dado momento, uma família de paranaenses veio morar no vilarejo. Já falei um pouco sobre os paranaenses do vilarejo em outra postagem, mas neste caso, a família incluía um garoto mais ou menos da mesma idade que a minha e a de meus irmãos. Esse menino era bastante agradável e logo ficou nosso amigo. 

Em um dia qualquer fomos à sua casa e acabamos vendo algo que me deixou fascinado. Ele tinha um binóculo. Perguntei se ele me permitiria pegá-lo, testá-lo, experimentá-lo, enfim, porque nunca havia visto antes um binóculo de verdade. Ele, rindo, deu permissão. Era para ele algo sem muito valor. Como a família viera de uma cidade do Paraná que ficava relativamente perto da fronteira do Brasil com o Paraguai, ele nos explicou, era comum que as pessoas fossem até a cidade de Foz do Iguaçu para fazer compras de produtos importados do outro lado da fronteira, de Ciudad de Leste, que tinha um mundo de bugigangas que nós brasileiros não tínhamos acesso por questões de política de importação, dificuldades cambiais, etc. Os paranaenses, por outro lado, tiravam proveito dessa proximidade e tinham bugigangas que nós, paulistas, não tínhamos.

Fiquei apaixonado pelo binóculo. Ele não era muito potente, é verdade. Aumentava no máximo 4 vezes o objeto que estava sendo visto, mas mesmo assim já era alguma coisa.

Um dia, meu pai ganhou um dinheiro extra de um de seus negócios de corretagem de imóveis e deu um trocado de presente para mim e meus irmãos. 

Nessa época já éramos crescidos o suficiente para andar de ônibus sem acompanhantes. Íamos à cidade vizinha sem estar acompanhado de meus pais ou algum adulto responsável. Afinal, era um trajeto de apenas cinco ou seis quilômetros. Não havia quase risco algum. E com esse trocado extra, resolvemos, eu e meu irmão mais novo, ir até a outra cidade vizinha, e fazer alguma compra interessante com o dinheiro. Pegamos pela primeira vez o ônibus para a outra cidade próxima, esta um pouco mais longe, uns vinte quilômetros mais ao Sul, e fomos bisbilhotar as lojas de lá, que quase não conhecíamos direito. Claro, nós sempre íamos a esta cidade, mas sempre com meus pais ou com uma amiga professora, que nos levava como companhia, porque ela tinha medo de viajar e deixar o carro sozinho em uma cidade que para ela também era estranha.

Pegamos uma rua com lojas e acabamos nos vendo grudados a uma vitrine de uma lojinha cheia de relógios, bugigangas diversas e calculadoras eletrônicas. Foi amor à primeira vista. Compramos duas calculadoras eletrônicas idênticas, uma para cada um, e fomos embora muito satisfeitos.

Com o tempo meu irmão perdeu o interesse pela calculadora, embora eu mantivesse a minha sempre à mão. E um dia nosso amigo paranaense, que agora não podia mais ir comprar bugigangas no Paraguai, viu uma das nossas calculadoras e ficou também encantado. Conversamos e resolvemos que poderíamos trocar uma das calculadoras pelo binóculo. Ele concordou e fizemos a troca. O binóculo agora era meu.

Agora os aviões não eram mais pontinhos sem sentido. Um agora era um Boeing 747, outro era um DC-10 e outro ainda era um Bandeirante da Força Aérea.

E à noite a Lua era nosso alvo, mas também as Três Marias, o Cruzeiro do Sul e as milhares e milhares de outras estrelas naquele oceano negro e profundo que é o espaço sobre nossas cabeças na escuridão das noites frias, de céu limpo e breu absoluto.

Como tínhamos de dormir relativamente cedo, não ficávamos até muito tarde acordados vendo  o céu. Nos primeiros dias de posse do binóculo, estendíamos um colchão no chão, nos enfiávamos, eu e meus irmãos, e mesmo em certos dias a minha mãe, por debaixo das cobertas, deitados no quintal de casa, pertos dos pés de laranja, olhando o céu infinito, curiosos demais para nos incomodarmos com a simplicidade de nosso observatório.

Durante o dia eu via os aviões. À noite eu via as estrelas. E o binóculo virou um amigo inseparável.

Meus irmãos foram perdendo o interesse por ele pouco a pouco. Eu, não.

Sempre levava comigo o binóculo. Quer fosse uma caminhada pelos matos e estradas da redondeza, quer fosse para ir até o campo de futebol, ou para o parque público onde jogávamos futebol de salão, eu tinha-o por perto sempre.

Às vezes eu passava a tarde toda sobre o telhado de casa ou sobre o telhado da garagem ao lado, esperando ver algum pontinho escuro no azul translúcido do céu das tardes tranquilas. E fiquei bom nisso. Eu fiquei realmente bom em observar aviões ao longe, quando ainda não emitiam nenhum som, quando ainda são apenas uns pontinhos ínfimos no horizonte. Eu os procurava, depois os acompanhava com o binóculo até que se tornassem novamente um pontinho impossível de ser visualizado, mesmo com o binóculo. Simplesmente amava patrulhar o céu em busca de aviões.

À noite, meu interesse era menor. Mas tive a sorte de ver estrelas cadentes diretamente pelo binóculo. Tive a oportunidade de ver luzes que sei com toda a certeza que não eram de aviões. Essas luzes, muito pequenas, passavam em rumos que não eram muito comuns para os aviões em suas rotas quase que padronizadas. Eram luzes noturnas muito pequenas. Nós sabíamos que os aviões, todos eles, civis ou militares, mesmo muito altos, tão altos que sequer emitiam ruídos audíveis para nós mais abaixo, sempre possuíam luzes com cores diferentes, e essas luzes eram piscantes, e elas ficavam em partes diferentes do corpo dos aviões. Está correto dizer que sem um binóculo é difícil perceber onde ficam as luzes, mas nós podíamos ver com clareza que as luzes dos aviões ficavam nas pontas das asas, uma era verde, a outra vermelha, e havia luzes brancas na parte de trás deles. Mas as luzes diferentes que víamos à noite, de vez em quando, não eram assim. Elas eram silenciosas, minúsculas, não piscavam, não eram coloridas, não eram múltiplas e, o principal, eram mais rápidas que os aviões, mesmo os movido à jato.

Mas não achávamos que eram objetos de outro planeta ou coisa assim. Logo, já na primeira vez que as vimos, percebemos que só poderiam ser satélites espaciais. Foi simples de se perceber isso. E como os víamos agora com alguma regularidade, não mais despertou a curiosidade que poderia despertar se não soubéssemos da existência deles. Eles, afinal, poderiam se vistos mesmo sem binóculo. Era apenas uma questão de atenção. E, claro, uma pessoa desinformada da existência dos satélites poderia perceber que eram luzes diferentes dos aviões. Se essa pessoa não soubesse dos satélites, ela certamente poderia pensar em algo de outro mundo, mas não nós. Já havia muitos satélites no espaço naquela época.

É verdade que a questão da observação dessas luzes guarda alguma complexidade que tratarei em outro momento, em outra postagem nesse blog, mas de qualquer forma, essa era a situação que se encontrava o meu nível de conhecimento naquela época.

Então, em uma tarde tranquila, daquelas em que não se tem nada para fazer, peguei meu binóculo e fui para o parque de diversões, onde a molecada jogava futebol de salão, andava de bicicleta e passava o tempo, entre uma manga e outra que caía dos pés de manga enormes que haviam por perto, e que foram, quando éramos menores, nossos pontos de esconderijo, e às quais trepávamos como macacos, fosse para pegar as frutas, fosse para ficar lá, dependurados entre uma forquilha e outra, às vezes mais no baixo, entre troncos enormes, fosse mais ao alto, entre galhos finos que vergavam sobre nossos pequenos pesos, mas que nunca quebravam, porque nunca soube de ninguém que tivesse caído delas, por mais baixo que tenha sido o tombo.

Eu não tinha nada para fazer. Então, sob a sombra de uma enorme mangueira, me deitei no gramado macio, barriga para cima, perscrutando o céu azul.

E então vi o pontinho branco.

Parado.

Não era um avião.

Mas era branco e, portanto, era algo metálico, como um avião, refletindo a luz do Sol.

Mas não saía do lugar.

Uma estrela? Talvez. Mas durante o dia? Já ouvira relatos em livros de estrelas que foram vistas durante a parte clara do dia, mas eram supernovas que explodiram. Seria esse o caso? 

Não sabia. E só tinha um jeito de saber: olhar o pontinho com o binóculo.

Mas não foi tão simples assim. Ele era muito pequeno. E o céu estava limpo. Não havia nenhuma nuvem de referência para meu ajudar a achá-lo mais facilmente.

Mas por fim o achei.

Era um objeto esférico e branco. Imóvel.

Só poderia ser então, por exclusão, um balão.

Ora, eu sabia já da existência dos balões, e mesmo dos balões meteorológicos. Eu sabia dos balões que recebiam aquecimento e levavam uma gôndola com pessoas para passeios, que é o típico balão de turismo e esporte, mas eu sabia que havia os balões profissionais, científicos, com gás hélio ou outro parecido, e que, ao contrário dos balões de turismo, que voavam baixo, iam a dezenas de quilômetros acima do solo levando equipamentos de pesquisa, termômetros, etc. Esse era um deles, com certeza. Estava muito alto para estar levando pessoas. E se fosse mesmo um balão, estaria somente aparentemente parado, mas estaria sendo levado pelas correntes atmosféricas que costumam ser muito mais fortes nas grandes alturas do que próximo ao solo. Se fosse um balão, ele deveria se mover.

Mas como saber, sem uma referência? Não havia nuvens. Somente o azul sem substância do céu de ponta a ponta.

Então eu tomei um ramo da mangueira como referência. Tracei uma linha do balão até um ramo específico, que tratei de memorizar o formato exato, e esperei pacientemente, de barriga para cima, fazendo um esforço para não perder de vista aquele pontinho ínfimo no silêncio do espaço.

E aos poucos ele foi se movendo em direção ao Norte de onde eu estava.

Mas então eu já sabia que era mesmo um balão e que ele ficaria ali por horas, dias, meses talvez, sendo levado pelo acaso até que algum instrumento controlasse sua descida, ou sabe-se lá que destino viesse a ter.

Ora, não era um disco voador, mas mesmo assim aquele balão levantou-me algumas questões.

Primeiro: quem o lançara? Segundo, com que intenção? E terceiro: era mesmo um balão?

Poderia ter sido lançado por algum centro de pesquisa brasileiro, mas poderia ser um balão lançado de fora do Brasil. Como saber? 

Poderia estar simplesmente coletando temperatura e dados atmosféricos, mas poderia estar equipado com câmeras fotográficas de alta definição, fotografando o que quisesse. Se fosse então um balão estrangeiro, que interesse teria em fotografar algo em nosso país. Mas, por que não o fazer, podendo-o?

E se não fosse mesmo um balão? Seria o quê? Um satélite? Estacionado? Certamente que não, embora haja de fato satélites geoestacionários, mas eles ficam a tal distância da Terra e em proporção são tão pequenos que a chance de serem vistos a olho nu ou mesmo com equipamentos é nenhuma. Eles simplesmente não podem ser vistos.

E seria o quê, então?

A algum tempo atrás, em fevereiro de 2023, o governo dos Estados Unidos divulgou a existência de um suposto balão espião chinês sobre seu território. O balão foi observado por diferentes meios e acabou sendo abatido por um avião militar.

Sendo esse um fato amplamente divulgado, não parece estranho que eu, um menino de treze, quatorze anos, já pensasse nessa possibilidade a quarenta anos atrás? Não parecia surpreendente se naquela época eu dissesse que essa possibilidade era real? Mas ela é.

Os balões foram já amplamente utilizados para os mais diversos fins. Espionagem, observação de linhas inimigas, transporte de passageiros entre continentes, pesquisa científica são, dentre outras, as formas pelas quais os balões foram utilizados. Mas ainda assim, saber de seu uso é uma coisa. Ver um balão em uso é outra coisa. 

Estamos sendo espionados por meio de balões o tempo todo?

Como saber?

Quantos dos milhares de casos de avistamentos de UFOs não passam de casos de balões em seus mais diversos usos? E que usos ainda não conhecemos para eles? Quer dizer: nós, cidadãos comuns, não conhecemos, embora que quem os usem obviamente que conhecem? Dada a capacidade humana de inventar novos usos para coisas e tecnologias existentes, não me surpreenderia se os balões estivem sendo usados para tarefas que imaginamos impossíveis, improváveis ou absurdas. Em outras palavras: não subestimemos os balões.

E quanto a você, leitor, o que pensa e sabe sobre eles? Já viu um? Já viajou em um deles? Já fabricou e lançou um deles? Conte-nos de sua experiência com eles.

Eu ficarei curioso em ler o seu relato.

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