Caso 44 - Sorge

 Sorge


Richard Sorge foi um espião, e talvez o maior deles.

Sua história de vida está relatada em livros e ele foi herói nacional na extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a URSS, que criou inclusive selos de correio para homenageá-lo.

Ele foi um jornalista alemão, filho de mãe russa e nascido no Azerbaijão, que manteve contato com o corpo diplomático do governo da Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Tendo sido designado para trabalhar junto à embaixada alemã no Japão, ele passou a espionar tanto a Alemanha quanto o Japão, dois dos países que compunham o Eixo, juntamente com a Itália. Assim, aos olhos do governo do Japão, Sorge era um aliado e, de certa forma, confiável.

Mas ele espionava por que e em favor de quem? Claro, espionava a favor dos russos, povo ao qual sua terra natal agora pertencia.  Afiliou-se ao partido comunista soviético. Depois, já como espião, afiliou-se ao partido nazista alemão para apresentar mais credibilidade quanto à fidelidade aos interesses alemães. Como a Alemanha invadira a URSS em 1941 ele, sob risco de perder a própria vida se fosse descoberto, manteve a vida dupla típica dos espiões, fornecendo à URSS as informações que considerava valiosas aos interesses daquela época.

E a URSS tinha um grande interesse em saber quais eram os planos do Japão quanto à guerra. A URSS enfrentava uma guerra de vida ou morte contra a Alemanha. Mas sendo um país muito grande, ela tinha fronteiras com a China e a Coreia no extremo oriente. Naquela época tanto China e Coreia eram países ocupados pelos japoneses. Como os japoneses eram aliados dos alemães, a URSS temia que o Japão pudesse desencadear um ataque ao território soviético, forçando a URSS a guerrear em duas frentes, a Leste e a Oeste. 

Enfrentar uma guerra em duas frentes sempre foi visto como uma espécie de suicídio em termos militares e estratégicos. A URSS não tinha, de sua parte, a intenção de atacar o Japão. Mas temia ser atacada. Por isso, mantinha um enorme contingente militar estacionado de prontidão próximo às fronteiras com China e Coreia. Afinal, não havia meio de saber as reais intenções do Japão.

No entanto, esse enorme contingente estava parado, sem uso imediato, e a URSS estava enfrentando enorme escassez de recursos militares para enfrentar a Alemanha, que avançava impiedosamente sobre a região Oeste da URSS, rica em indústrias, cidades, áreas rurais produtivas, petróleo e outros recursos importantes. Havia a ajuda dos americanos, que enviavam quantidades enormes de equipamentos aos soviéticos, mas ainda assim o exército soviético do estremo oriente era um recurso valioso demais para ficar parado, porque havia ainda a necessidade de pessoal, homens treinados para a guerra, recurso este que os americanos não forneciam, porque também precisavam para seu próprio uso, e porque a Alemanha era impiedosa no massacre aos soldados soviéticos, não permitindo chance de rendição ou aprisionamento, em uma guerra de terra arrasada, não deixando nada em pé e vivo por onde passava.

O alto comando soviético tinha Sorge como um de seus mais secretos trunfos. Diante da incerteza quanto à intenção de guerra japonesa e tendo Sorge se infiltrado dentro do alto escalão diplomático japonês, ele foi incumbido de sondar se o Japão atacaria ou não a URSS.

Foi em um desses bailes de gala em que diplomatas, militares e políticos trocam amenidades enquanto vestem trajes imponentes e bebem champanhe em taças sofisticadas que Sorge, por meio de um alto comandante militar japonês, ficou sabendo, muito sutilmente, que o Japão não tinha intenção alguma de invadir a URSS. Com a informação em mãos, passou-a aos soviéticos que, após ponderarem os riscos de se confiar nela, tomaram a decisão de remover em grande escala soldados, armas e munições das fronteiras no Leste e mandá-los pela ferrovia Transiberiana, em infindáveis comboios de vagões, dia e noite, sem tréguas, tudo o que fosse possível, e no menor tempo possível, a tempo de usá-los na batalha de Estalingrado, a maior e mais sangrenta batalha travada entre soviéticos e alemães. A batalha foi vencida finalmente pelo soviéticos e após o cerco aos alemães, estes não mais puderam conter o avanço soviético, que somente foi interrompido dois anos depois com a tomada de Berlim e a morte de Adolph Hitler.

Sorge acabou sendo descoberto mais tarde e morreu enforcado pelos japoneses. Está enterrado em Tóquio.

Sim, ele era beberrão e gostava de mulheres bonitas. E, sim, ele era amante da esposa do embaixador alemão no Japão.

Não é um filme de James Bond.

Não é uma piada do Agente 86.

É verdade que se sabe pouco dos espiões, mesmo porque não há por parte de nenhum país interesse em divulgar os feitos desses homens extraordinários. O que ganhariam com isso? 

Por fim, mas não por último, porque falaremos mais sobre espionagem por aqui no futuro, lembro que espionar não é uma arte do Século XX. A espionagem é tão antiga quanto a vida. Afinal o que faz o gato quando se abaixa e pacientemente aguarda o pássaro que debica pelo chão sem se aperceber do risco que corre? O ataque do gato não é espionagem, mas o mirar quieto e paciente é. Sem a espionagem, não há ataque bem sucedido. Pode haver ataque, mas sem a espionagem, em geral ele não é bem sucedido.

Sorge, o gato soviético, não foi o último dos espiões.

Você conhece algum outro, de verdade, que não seja personagem fictício de filmes e romances?

Fale-nos sobre ele.

Mas, afinal, mesmo os fictícios possuem o seu charme, as suas técnicas e o seu grau de veracidade. Dificilmente se pode imaginar que foram criados do nada, das mentes criativas de seus criadores. Os autores dessas ficções certamente sabem alguma coisa sobre aquilo que estão escrevendo.

Então, fique à vontade para falar também dos espiões de ficção. Eles também têm algo a nos ensinar.

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