Caso 30 - O vendaval

Ventara a semana toda. Ao longe, do outro lado do ribeirão, o morro tinha o solo revirado e descoberto por enormes tratores da usina de cana que o explorava. Dele subia uma constante poeira vermelha e densa. O vento assoviava nas folhas das árvores e nos cantos das paredes das casas. Aquilo não era normal.

Sentado debaixo de um enorme pé de eucalipto na beira da rodovia logo perto da ponte do ribeirão eu, com a idade de uns doze anos, achava aquele vento muito estranho. Era um mês de agosto, setembro talvez. Não me recordo direito. Nem mesmo me recordo do ano. Era 1982, 1983 talvez.

Na sala de aula da escolinha, à tarde, depois de uma semana de ventania, o tempo foi escurecendo depois do almoço. O vento foi ficando mais forte. O céu avermelhado ficou azulado, acinzentado, e algo grande parecia estar para acontecer. Uma tempestade.

Em um certo momento de uma aula, alguém da administração escolar interrompeu a professora, chamou-a para fora da sala e conversaram de uma maneira grave e anormal. A professora retornou à sala e calmamente, dentro do possível, disse que a secretaria da escola recebera um telefonema das autoridades regionais alertando que fora emitido um aviso de vendaval iminente na região pela Força Aérea, de acordo com as estações meteorológicas das unidades militares mais próximas. Havia uma unidade militar com pistas de pouso não muito longe do vilarejo onde morávamos. Ficava a cerca de cinquenta quilômetros. Era para ficarmos calmos, interrompermos a aula, afastarmos as carteiras e cadeiras de próximo das janelas de vidro expostas ao vento e ficarmos todos juntos na parede oposta, esperando até o vendaval passar.

Ficamos assustados, mas mantivemos a calma. Ninguém entrou em pânico, nem mesmo chorou. Eu sabia que eu e meus irmãos estávamos relativamente protegidos, porque estávamos todos na escola. Mas eu temi pela minha mãe, que estava em casa e não sabia de nada. Naquela época não havia como informá-la. Mas sabia que minha mãe era uma mulher corajosa e que tudo acabaria bem. Nossa casa, embora que simples, era nova e relativamente segura.

Afastamos as carteiras e nos ajuntamos conforme nos orientaram.

E o vento foi aumentando, aumentando e aumentando em um céu cada vez mais escuro e sinistro.

Por fim, árvores foram sacolejadas, rajadas de chuva abateram com força nas vidraças e raios espocaram com violência por todo lado, mas sem maiores danos. Foram uns quinze minutos de fúria. Aos poucos porém a chuva foi diminuindo, o vento foi se acalmando, o céu clareou um pouco e meia hora depois tudo estava tranquilo. O ar úmido era o de uma tarde comum de chuva. Não houve nem mesmo galhos quebrados na pracinha ao lado da escola. Nenhuma árvore caíra no vilarejo. Nem mesmo um grande galho caiu. Nenhuma casa perdeu sequer uma telha. Entrou um pouco de água da chuva pelas frestas das vidraças da sala de aula, mas logo alguém pegou um rodo e enxugou tudo rapidamente, as carteiras foram recolocadas nos seus lugares normais e as aulas prosseguiram. Apenas acenderam as luzes das salas porque ainda estava meio escuro, mas isso era comum em qualquer dia de chuva. Tudo voltou ao normal com a mesma velocidade com que começou.

Como não haviam redes locais de televisão, o assunto sequer foi noticiado nos jornais televisivos nacionais. Foi um susto nosso apenas.

O dia seguinte veio normal e acabamos nos esquecendo do vendaval, apesar do susto.

Dois ou três anos depois nos mudamos para uma cidade próxima na região e fizemos amizades com a molecada do bairro onde morávamos.

Em um certo dia meu irmão mais novo me disse ter conversado com um amigo sobre um determinado assunto e meu irmão contou sobre o vendaval de alguns anos anteriores. O amigo, de idade próxima da nossa, afirmou que também fora avisado na escola onde estudava naquele dia. Ele e seus colegas também tiveram medo e se protegeram nas salas de aulas, mas, ao contrário de nós, eles passaram por problemas bem mais sérios. Uma forte chuva de granizos grandes como bolas de tênis destruiu muitos telhados e vidraças, amassou muitos carros e o vento destelhou várias casas por toda a cidade. Nós, isolados no nosso vilarejo, não ficamos sabendo de nada.

Um granizo no tamanho de uma bola de tênis pode matar uma pessoa.

Não me recordo de ter passado por um problema desses desde então, e estou com meio século de vida.

Crianças naturalmente exageram as coisas, mas nunca tive de interromper nada em minha vida por um alerta das Forças Armadas.

Sei que foi um risco passageiro, mas sei que a natureza nem sempre nos dá a chance de nos proteger a tempo. Não foi um tornado, mas também não foi uma simples chuva ou nem mesmo um temporal. Foi um vendaval, com ventos chegando a quase 100 km/h. Não é sempre que isso acontece.

Hoje, na medida em que satélites e radares aperfeiçoados monitoram o céu o tempo todo, dificilmente seríamos deixados para ser alertados em cima da hora. No entanto, nenhuma tecnologia nos pouparia de um evento desses se ele viesse a se repetir.

O que houve naquele ano? Por que ocorreu naquela região? E por que nunca mais se repetiu?

Mas, ele se repetiu. Nos últimos dez anos houve fenômenos parecidos ao menos duas vezes, embora que não exatamente sobre o mesmo local. Uma vez houve quase que certamente um tornado noturno, mas a cerca de 60 quilômetros mais a Oeste. E neste ano de 2021 novamente granizos caíram com violência, embora que não tão intensamente. Mas caíram em mais de uma cidade e deixou cenas dolorosas de se ver. Uma, por exemplo, é um vídeo no qual moradores de um sítio colhiam pássaros feridos e mortos no campo, pássaros que se abrigavam regularmente em um bosque de eucaliptos que foi quase todo desfolhado pelos impactos das pedras de gelo. Cenas dolorosas e assustadoras.

E assim o mito de que vivemos em um país abençoado vai aos poucos sendo erodido pelos fatos. Poucos países podem de fato ostentar essa imunidade contra a fúria da natureza, se é que haja algum país assim. Nós, brasileiros, definitivamente estamos sujeitos à fúria da natureza. Certo, não temos terremotos, mas temos tornados, ciclones e tempestades elétricas gigantescas, chuvas torrenciais e chuvas de granizo mortíferas.

Eu relato o vendaval que presenciei apenas como um lembrete de como a natureza pode nos surpreender.

Se você não concorda ou se concorda e tem uma ou mais histórias interessantes sobre os mistérios da natureza para nos contar, sinta-se a vontade. Ficaremos felizes em conhecê-la.

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